Se a educação está para a transformação social, a cultura está para o aprendizado. A escolha artística mais evidente para esse episódio, pensando no acompanhar dos 5 filmes da série Small Axe, é a fotografia granulada e o formato dimensional da tela como artifício temporal e televisivo impregnado nos olhos de quem assiste. E como de praxe, para um diretor tão rebuscado em suas visões para enquadrar suas histórias em audiovisual, Steve McQueen parece querer elevar seu conto infantil para um patamar além de crítico ao racismo britânico com a comunidade negra das Índias Ocidentais, mas como também ato educativo de discurso em prol da melhor educação.
Um ato tão fortemente simbólico em sua construção que poderia ser colocado numa cápsula do tempo, ou num foguete enviado para aliens que quisessem descobrir sobre a Terra, em vista da proposta visual e temática do diretor. Eles não apenas conheceriam o garoto Kingsley (Kenyah Sandy) enfrentando com sua família o racismo do sistema educativo, como se emocionariam com a historiografia negra. Todo o percurso de assistir essa antologia produzida pela Amazon e transmitida pelo canal BBC, se demonstra no ambiente televisivo, e de produção audiovisual mais independente pela britânica produtora EMU Films, uma composição artística e educativa pouco comum. Se por um lado os filmes retratam histórias verídicas, por outro isso nunca parece limitar o trabalho audiovisual em quesitos adaptativos dos fatos para a tela. Ao mesmo tempo, os roteiros escritos pelo próprio Steve McQueen junto com Alastair Siddons e Courttia Newland, que tem uma carga variada de informação histórica, documental e didática, sempre soam se estender na cinematografia muito fluida e formal do diretor Steve McQueen.
Ou seja, nesse último filme-episódio, quando a temática se intitula sobre a educação, acaba por se direcionar a metalinguagem da produção como um todo, que na emotividade e no efeito sensitivo presente no audiovisual traduz o movimento negro por justiça na Inglaterra como um dogma Small Axe instituido. Essa instituição se reflete na maneira como a mãe do protagonista Kingsley e seu pai querem saber mais sobre a segregação racial colocada nas escola britânicas, que é a problemática central da trama. Junto a isso, o caráter mais imagético de reproduzir esse interesse dos pais quanto a educação num projeto, que parece ser um registro documental nos grãos fotográficos de um tempo antigo, finaliza esse primeiro quinteto de episódios antológicos como um projeto que deve ser reproduzido em escolas britânicas. Não é por acaso que da primeira cena a última o cosmos seja a representação de apresentação e transformação inspirativa de uma criança com o aprendizado da astronomia e a leitura alfabetizada, respectivamente. Se a crença inabalável que a educação de fato muda sociedades, mantendo a qualidade dos outros episódios, Steve McQueen centraliza a imersão do protagonista em seu sonho de ser astronauta na própria interação técnica da obra ser essa espécie de registro espacial de como o aprendizado familiar da importância da educação mudou a comunidade negra na Inglaterra.
Se por um lado o episódio investe na mentalidade do garoto, no distanciamento da mãe quanto a sua situação na escola, com a representação fotográfica em plano aberto dos dois, mãe e filho, em linhas diferentes de profundidade de campo na tela; ou até mesmo o coloca em momentos intimistas de incompreensão da realidade de Kingsley, tentando submergir na imaginação do cosmos, nos desenhos dos foguetes e brincando com crianças no ônibus; apresenta um lado extremamente discursivo, didático e revoltoso em relação ao sistema educacional. As mulheres, sempre muito representativas na educação familiar, especialmente no retrato mais conservador, cristão e britânico como senhoras da pedagogia, são as “militantes” contra a subalternização educacional das crianças Índia-Ocidentais, sendo as interpretações didáticas que ensinam o pai de Kingsley sobre as oportunidades do filho com uma educação subalternizada, por exemplo, ou os alienígenas citados no texto, que veriam esse episódio da série sobre a grande dificuldade que é ter uma educação justa e inclusiva na humanidade.
Assim, o ato de representatividade do filme, sobre a importância dos negros conhecerem suas culturas ancestrais além da escravidão na América, não poderia ser mais educativo e de aprendizado na alfabetização do protagonista Kinsgley em relação a sua dificuldade de leitura. Se o ator não convencer interpretativamente na experiência do telespectador com telefilme ao longo dele, sem dúvida sua cena, lendo um livro sobre a história da África, tomará emoções inevitáveis quanto ao efeito transformador da educação. Mais do que lutar contra o racismo em protestos, em toda a militância na rua, ou até no meio jurídico e inteligível, como é mostrado em Mangrove e Alex Wheatle, a base é mais embaixo com a educação básica, como é mostrada nesse filme. Mas para essa mudança é como crer no cosmos que se persevera na verbalização da leitura em voz alta do protagonista. Por fim, Small Axe é um presente de 2020 para a educação na luta contra o racismo e para a aliança da historiografia com o audiovisual.
Small Axe – 1X05: Education (Inglaterra, 13 de Dezembro de 2020)
Direção: Steve McQueen
Roteiro: Alastair Siddons, Steve McQueen
Elenco: Sharlene Whyte, Tamara Lawrence, Daniel Francis, Josette Simon, Ryan Masher, Naomi Ackie, Jairaj Varsani, Tabitha Byron, Jo Martin.
Duração: 63 min.