A vingança é a palavra-chave de uma narrativa do subgênero slasher. Proeminente no cinema em fases diversas, o subgênero do terror também já ganhou significativas representações seriadas. No caso do universo antológico de Slasher, desde a primeira temporada, conferida com muita ansiedade e otimismo em seu lançamento, a produção constantemente apresentou tramas interessantes que começavam em um ritmo dinâmico, com um suspense envolvente, mas nalgumas ocasiões, culminou em clímax insatisfatório para o que tinha apresentado em seu preâmbulo. Isso foi algo que se estabeleceu em suas três primeiras temporadas, sendo a segunda a mais frágil do conjunto. No entanto, nada supera os excessos do quarto ano, uma jornada de episódios dominada por exageros e altas expectativas, haja vista a participação especial do mestre David Cronenberg, adição que trouxe um charme para a narrativa, mas ainda assim, insuficiente para o texto dramático menos interessante que as empreitadas anteriores. Diante desse panorama, deixei a quinta e última temporada numa fila de espera longa, algo que assumo ter sido um equívoco, pois mesmo que a saga de encerramento da produção antológica repita fórmulas, a estruturação de época e a construção da atmosfera são muito interessantes.
Intitulado Ripper, o desfecho do programa criado por Aaron Martin e Ian Carpenter flerta com a história sangrenta e misteriosa em torno de Jack, O Estripador. Essa história que constantemente gera conteúdos ficcionais é marcada por mistério, brutalidade e teorias que fascinam tanto historiadores quanto o público em geral. O assassino em série operou em Londres, especificamente no bairro de Whitechapel, em 1888. As suas vítimas eram, em sua maioria, mulheres que viviam na pobreza, muitas delas ligadas à prostituição. A combinação de fatores sociais, econômicos e culturais da época contribuiu para a atmosfera de medo que permeou a cidade. Os assassinatos atribuídos a Jack, O Estripador, provêm de um modus operandi distinto que incluía a mutilação dos corpos, o que chocou a opinião pública e atraiu uma intensa cobertura da imprensa. O primeiro dos crimes atribuído a ele, de Mary Ann Nichols, ocorreu em 31 de agosto de 1888. Seguiram-se então outros quatro assassinatos conhecidos, gerando não apenas uma caçada ao criminoso, mas também a criação de um verdadeiro pânico social. A sensação provocada pelos crimes culminou em uma onda de especulações sobre a identidade do assassino, alimentada por cartas anônimas que alegadamente foram enviadas pela própria figura de Jack.
As investigações policiais na época eram limitadas, com técnicas forenses muito rudimentares. Isso nós podemos contemplar meticulosamente em Slasher: Ripper. A falta de evidências concretas levou a diversas teorias sobre a identidade do assassino, que variam de aristocratas a médicos proeminentes. O fato de que nenhum suspeito foi definitivamente incriminado deixou espaço para especulações, o que tornaria Jack, O Estripador, uma lenda da criminologia e, consequentemente, da ficção ao longo do século seguinte, se infiltrando na contemporaneidade. Além do aspecto criminal, a história de Jack, O Estripador, deve ser contextualizada dentro do quadro mais amplo do final do século XIX. Londres, naquele período, enfrentava uma série de transformações sociais, incluindo o crescimento da classe trabalhadora e o aumento da pobreza urbana. O estrangulamento do tecido social fez com que muitos se sentissem impotentes diante da violência. O terror causado pelos assassinatos não afetou apenas as vítimas, mas também fomentou um sentimento de insegurança coletiva. Na série, com outras motivações, no entanto, atmosfera similar, os acontecimentos giram em torno do território canadense, em específico, os arredores de Toronto.
Aqui, no entanto, ao invés da costumeira representação que traz o assassino em torno das trabalhadoras do sexo de Londres, temos a figura da Viúva, aniquiladora de um determinado grupo de pessoas que no passado, aprontaram ou foram cúmplices de acontecimentos terríveis envolvendo a figura vingativa em questão. Após cada um dos seus assassinatos, a misteriosa “entidade”, apelidada pelo jornalismo local, deixa pistas para que as possíveis próximas vítimas fiquem atentas ao tom de ameaça mortal, pois quem está por detrás dos crimes criativos não está nem um pouco interessado em brincar. O primeiro deles é o abjeto Alistair Simcoe (Shaun Benson), figura que trafega pelas favelas ao redor de um distrito de Toronto, em busca de prostitutas para torturar. O que ele não esperava, no entanto, era a reversão da sua noite de brincadeiras diabólicas. É ele quem se torna a abertura da lista da Viúva, personagem em busca de retaliação por questões tenebrosas ocorridas no local há 12 anos. Para criar o padrão de suspense comum ao subgênero, o protagonismo fica por conta de Kenneth Rijkers (Gabriel Darku), detetive que arriscará a vida para desvendar a identidade do assassino (ou assassina).
Ele, por sinal, não é parte da lista. Mas, a cada episódio, se coloca em perigo, pois a insistência em torno da figura mortal pode fazer dele um descarte, afinal, ao se portar como obstáculo, pode ter a sua vida aniquilada. Mentiras que fizeram um homem ser jugado e executado erroneamente e uma história de humilhação envolvendo Margareth Mehar (Genevieve DeGraves). Ao longo de cada uma das oito peças que compõem a temporada, acompanhamos o desfecho da trajetória macabra de cada um dos listados pela Viúva, sendo Basil Garvey (Eric Mc Cormack), um dos maiores representantes da elite de Toronto, local onde a história se desenvolve, lá no século XIX, o nome no topo da lista. Tão abjeto quanto a primeira das vítimas, ele é uma figura que se diverte com a desgraça alheia e acredita que, por conta da sua conta bancária e prestígio social, pode comprar tudo. E todos. Assim, com um final que também subverte os encerramentos dos ciclos anteriores de Slasher, a satisfatória temporada entrega o habitual: personagens corruptos, mas esféricos, mortes sanguinolentas e criativas, clima de suspense até o último minuto, com um desfecho que evita o sentimentalismo e o politicamente correto.
Em linhas gerais, um excelente epílogo para o programa antológico.
Slasher: Ripper (Idem, Estados Unidos/Canadá –2023)
Criação: Aaron Martin
Direção: Adam MacDonald
Roteiro: Aaron Martin, Ian Carpenter, Lucie Pagé, Shelley Scarrow
Elenco: Paula Brancati, Patrice Goodman, Sabrina Grdevich, Jefferson Brown, Christopher Jacot, Rachel Crawford, Jeananne Goosen, Sydney Meyer, Alex Ozerov, Eric McCormack
Duração: 45 min. por episódio (08 episódios no total)