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Crítica | Sissi (1955)

por César Barzine
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Romântico” talvez seja o melhor adjetivo para enquadrar Sissi, não apenas pelo fato da história ser centrada em um relacionamento amoroso bem convencional, mas também porque o romantismo abrange todos os aspectos em volta desta relação. Dentro disso, é formado todo um conceito estético de romantismo que vai além do amor, atingindo a construção dos personagens, fotografia, direção de arte, o clima do filme, seu argumento e o modo de como cada parte da trama vai se conectando.

O romance já nasce no contexto que o filme está localizado: a Europa do século XIX. O continente europeu é o berço de um típico imaginário popular composto por damas e cavalheiros que compartilham uma mesma paixão, juntando isso aos séculos da Idade Moderna, temos o cenário ideal da caricatura de uma história amorosa ocidental. Sissi não tem muita coisa explícita para acrescentar, e é nisso que surge o charme do filme: a busca de uma obra que seja genuinamente clássica e esquemática. Através desta simplicidade nos conectamos com este ideal de ficção presente na consciência de todos nós, fazendo com que surja a simpatia por aquela história, pois ela nos é familiar. O público acaba criando uma conexão com a protagonista não pelas suas complexidades, mas pela ausência delas; a jovem Sissi possui nada mais do que uma busca sincera pela felicidade, e com este desejo tão simples e espontâneo ela acaba ganhando o espectador.

O envolvimento amoroso dela com o imperador Franz Joseph nada tem de surpreendente ou singular. Uma das poucas intrigas que surge em relação ao casal é que Joseph está comprometido com a irmã de Sissi, Nene. Mas este problema é solucionado sem a menor complicação, sendo ausente a necessidade de maiores conflitos. Dessa resolução surge as ressalvas da mãe de Joseph com Sissi, que com a sua personalidade extrovertida não se encaixa nos padrões de realeza das quais são exigidos pela sogra. Já no aspecto interno do casal, simplesmente inexiste qualquer problema entre os dois ou algum desdobramento dramático. O romance deles é um verdadeiro mar de rosas, onde toda aquela perfeição é o cerne de um retrato que sintetize o ideal de amor cavalheiresco.

Diante de todo esse minimalismo, torna-se fácil cair na impressão de que o filme nada mais é do que um trabalho despretensioso, comercial e até mesmo um mero produto artificial. No entanto, através de um olhar mais sensível, Sissi está muito longe de qualquer artificialidade. É, na verdade, uma obra que transpira naturalidade, intimismo e sutilezas. E este lado sutil se encontra justamente em sua suposta falta de pretensão, pois é através da ausência de um desenvolvimento que buscasse ser menos clichê e mais denso que a obra se encontra. O sucesso de Sissi está na pureza que o filme guarda, a forte sensação de inocência que é carregada como se tudo ali fosse um sonho. O longa nada mais é do que um verdadeiro conto de fadas, partindo de uma abordagem unidimensional para desnudar o espírito ingênuo que está enraizado em cada um de nós.

Ao passo que essa ingenuidade caminha graças a simplicidade, a mise-en-scène do filme se encontra do lado oposto, sendo um extravagante e ultracolorido retrato de uma conjuntura dotada de tamanho classicismo. Mas a intensidade imprimida pelo visual não se consiste numa contradição em relação ao seu minimalismo dramático. Essa estética exagerada serve, na realidade, como um complemento para a simplicidade encontrada no roteiro. A mise-en-scène, ao desempenhar o seu papel de ambientalizar uma narrativa, resgata o romantismo arcaico da qual Sissi pertence, concretizando a unidade do filme ao evidenciar seu aspecto fabuloso. Por ter toda essa aura angelical, a fotografia e a direção de arte preenchem a necessidade de um cenário lúdico e onírico; desta forma, há a perfeita sincronia da simplicidade daquele drama com o esplendor daquelas imagens.

O visual pictórico de Sissi tinha tudo para cair na breguice dos filmes de Vincent Minelli (que também compartilham dessa abordagem lúdica), mas a direção de arte investe em um trabalho mais suave, deixando aquele mundo de contos de fadas mais harmônico – algo parecido ocorre em A Noviça Rebelde. O figurino feminino é formado por vestidos robustos de cores leves, como rosa, branco e lilás. O que, junto com a decoração, fornece um clima de doçura e leveza. A casa de Sissi, de classe média, não possui uma arquitetura e nem mesmo uma mobília de aparência abastada, fazendo um bom uso das paredes brancas em contraste com os acessórios sobrepostos. A decupagem lida com o ambiente através de planos abertos, escancarando a dimensão do espaço para realçar a beleza do figurino e do cenário. Já dentro do castelo do qual vive o imperador, o uso de planos gerais se faz igualmente forte ao apresentar a imponência com que atinge a magnitude dos padrões da realeza, tendo o exemplo mais claro disso os planos que explicitam o alto pé-direito daquele local.

Todos os personagens do filme estão submersos a um certo “padrão de cordialidade”, que limita a dose dramática no desenvolvimento de cada um deles. Isso significa que há um equilíbrio na composição dos personagens, pois o roteiro e as atuações jamais apelam para qualquer tipo de melodrama. E esse é um dos grandes acertos que garantem o sucesso de Sissi; a leveza com que os clichês são conduzidos tornam eles orgânicos aos olhos do espectador. Vemos esse equilíbrio nitidamente no núcleo da irmã de Sissi, que tem a sua expectativa de casamento abalada graças a ela, mas mesmo assim se mantém razoavelmente ponderada e ainda enfatiza o seu apreço por Sissi – o que forma um belíssimo momento em que as duas se abraçam carinhosamente. Esse caso também serve para desenvolver o papel das mães do recente casal de noivos, que a mãe de Sissi acolhe sem muitas problematizações, enquanto a mãe de Joseph não chega a fazer daquilo um bicho de sete cabeças – embora tenha, naturalmente, algumas exigências com a nova nora. O único personagem que se atrapalha em seu tom é o do soldado responsável por investigar Sissi. É compreensível a sua figura caricata – até porque o contrário quebraria o clima do filme -, porém ele é exagerado demais, partindo para uma veia muito burlesca que é um pouco incômoda. 

Por trás da grandeza do universo de Sissi, que respira o formalismo de uma cultura europeia abastada, também há a alegria contagiante de uma garota que prefere a prática de esportes e o contato com animais do que grandes encontros de sua sociedade. Sissi é extremamente angelical ao mesmo tempo que também é hiperativa dentro de seu cotidiano, o que até chega a entrar em conflito com a sua sogra. Assim surge sua defesa de ser feliz do jeito que quer, acrescentando mais um elemento que potencializa a sua personalidade com aquele rostinho de anjo. E do mesmo modo que ela é dotada dessa mistura de inquietude e serenidade, sendo radiante e plácida, o filme por completo carrega uma chama de pureza e conforto que rejuvenesce uma velha história, mantendo ela ainda mais viva ao ser tratada com a delicadeza que merece.

Sissi (Sissi) – Áustria, 1955
Direção: Ernst Marischka
Roteiro: Ernst Marischka
Elenco: Romy Schneider, Karlheinz Böhm, Magda Schneider, Uta Franz, Gustav Knuth, Vilma Degischer, Josef Meinrad, Erich Nikowitz, Karl Fochler
Duração: 102 minutos.

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