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Crítica | Simplesmente Complicado

O auge romântico da meia idade.

por Davi Lima
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Há muitas maneiras de aproveitar o gênero comédia, um deles, principalmente para a diretora Nancy Meyers, é tratar dos conflitos sexuais da “estabilidade” do ser mais velho (mulher especialmente) com as liberdades que a sociedade vem desenvolvendo sobre a transição das idades nos variados meios.

Os meios aos quais me refiro não se exclusivizam em locais, e sim em caminhos, espaços, situações e contextos. Porém, Nancy Meyers curte falar mais da casa, porque se você repensa a casa você empurra para fora padrões sociais que impedem a liberdade da mulher dentro do próprio local que o patriarcalismo colocou. No entanto, a diretora também não estuda a casa em si, mas as relações interpessoais associadas à casa, à família, ao trabalho, etc.

É possível perceber isso quando a protagonista Jane Adler (Meryl Streep) fica entre dois amores bem diferentes, nessa comédia romântica de triângulo amoroso. Um deles (Steve Martin) é o arquiteto, chamado Adam, que Jane chama para refazer a cozinha, que ele se auto descreve como “não tanto macho”, não tendo vergonha de chorar e expressar seus sentimentos; enquanto o ex-marido e advogado (Alec Badwin), que deixou a casa, chora para conquistar os filhos e valoriza o sexo ativamente. Nancy, também roteirista, escreve personagens intrigantes dentro dos estereótipos, ajudando a comédia a se desvencilhar naturalmente do realismo que estranharia as posições óbvias de emprego e associação pessoal que existem na trama romântica.

Diante disso, o principal conflito de Simplesmente Complicado é entender o porquê reatar o amor de um casal de meia idade e com filhos não é tão simples (mesmo em uma rom-com), e o que representa essa tentativa depois de 10 anos de um divórcio. Essa discussão temporal é também importante pela experiência dos filhos como personagens, evidenciando o efeito da velhice sobre a família adulta que dá base para a comédia.  complicado, complicado, complicado

Os diálogos de Jake, o ex-esposo (não apenas ex-namorado como nas clássicas rom-com) ajeitando a gravata como um pai de família que tenta voltar à casa onde se tornou pai pela primeira vez, contrastam em como ele, em outra cena, senta-se ao lado da banheira buscando a jovialidade ameaçada. Ora, a ideia de se relacionar com o outro envolve interesse e aceitação do seu tempo. Jane, ao se ver sozinha numa casa que ainda representa um casamento, encontra-se frustada na cama após o sexo, diferente da exaltação de Jake. Logo, dois personagens mais velhos tentando reatar um casamento demonstra fuga da realidade cômica e dramática, ajudando a entender que o viver independe do tempo, só mudam as maneiras de compreender essa vivência.

A vingança da traição, contar que está dormindo com ex-marido para as amigas, ser a amante… a discussão que uma das amigas de Jane é válida: de fato é errado a conduta de ajudar o seu ex a ser infiel com a esposa dele. Logo, ela entende de novo o que é se relacionar a partir da situação do passado, permitindo uma empolgante atração pelo sexy sinônimo de ser “a outra” ser ela. Porém, sem entender inicialmente, acaba reafirmando o machismo do seu ex-marido – que provocou o divórcio. 

O conflito de gerações do homem “pegar a mais nova” e a mulher se martirizar pelo envelhecimento é o comentário que Nancy gosta tanto de trabalhar, dentro do sistema do possível conto de fadas de uma época fechada dentro de casa, esperando o marido se arrepender da traição; uma espécie de “missão da boa esposa”. Não é à toa que o entrar e sair de Jake da sua antiga casa, nas noites com a ex-esposa, mostra seu descompromisso com a família do passado e do presente, contrariando sua justificativa paternalista de voltar com Jane.

Afinal, entendendo aonde a profissão de Jane chegou, comandando uma cozinha (por que não?) cheia de homens, cuidando dos filhos sozinha por um bom tempo, e até vivendo sozinha em uma grande mansão nos subúrbios; Nancy Meyers entrega a sua personagem o auge inesperado: o encontro com o arquiteto Adam. Em resumo, é o romance sem sexo, o romance comum do trabalho, que valoriza as cicatrizes, não o imediato, mas empolgante para suprir a idade.

Enfim, com uma boa chuva cinematográfica, Meyers finaliza seu testemunho romântico da meia idade. Num drama visual momentâneo, que une Jake e Jane, a diretora demonstra saber muito bem os diferentes tempos e espaços entre homens e mulheres. E com metáforas de trabalhos, mostra a história da mulher em casa, como ela pode sair dela e convidar quem quiser para entrar. Que a ame, claro.

Simplesmente Complicado (It’s Complicated) – EUA, Japão | 2009
Direção: Nancy Meyers
Roteiro: Nancy Meyers
Elenco: Meryl Streep, Steve Martin, Alec Baldwin, John Krasinski, Lake Bell, Mary Kay Place, Rita Wilson, Alexandra Wentworth, Hunter Parrish, Zoe Kazan, Caitlin FitzGerald, Emjay Anthony
Duração: 121 min.

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