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Crítica | Silo – 1ª Temporada

Quem controla as informações, controla o mundo.

por Ritter Fan
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A melhor maneira de se garantir a complacência da população é mantê-la na ignorância sobre tudo o que for possível e controlar o fluxo de informações, por vezes oferecendo distrações à la Roma Antiga. Temos, em nosso mundo real tanto do passado quanto hoje em dia, diversos exemplos dessa afirmação e, na literatura, encontramos outros tantos, de obras clássicas como Nós e Fahrenheit 451 a obras modernas como O Conto da Aia e Jogos Vorazes. Silo, obra de Hugh Howie originalmente autopublicada online como uma série de novelas entre 2011 e 2012 e posteriormente lançada no formato tradicional de romance, sendo inclusive adaptada em quadrinhos em 2014, é mais um exemplo dessa abordagem sempre inquietante por ser constantemente atual que ganha uma série de TV pelo Apple TV+ sob o comando de Graham Yost, responsável por Justified.

Na história, o que sobrou da humanidade após o apocalipse vive em sociedade em um gigantesco silo subterrâneo de 144 andares e obedece a um conjunto de estritas regras chamada de Pacto, com a mais radical sendo que, se alguém manifestar a vontade de sair de lá e encarar o envenenado mundo exterior, esse desejo tornar-se-á obrigatório e a pessoa (o condenado) será, então, expulsa do silo com uma roupa que o protege por tempo limitado, com um pedido de que ela, antes de morrer, limpe a lente do sensor que é o único olhar de seus pares para a desolação do lado de fora. Quando uma sucessão de acontecimentos faz com que Juliette Nichols (Rebecca Ferguson, de Doutor Sono e Duna), uma engenheira do andar mais profundo do silo, hesitantemente aceite ser a nova chefe de polícia, ela começa a fazer investigações que a levam a duvidar do único mundo que conhece, com consequências cada vez mais angustiantes e perigosas.

Preferi ser críptico em minha descrição da história, pois Silo é uma daquelas obras que é melhor saboreada como os moradores desse claustrofóbico mundo autossuficiente, ou seja, na mais completa ignorância. O que é muito interessante nesse universo é justamente tentar compreendê-lo, inclusive determinando o quanto essa sociedade desconhece seu próprio passado e o que aconteceu com o mundo (se é que algo aconteceu) e fazer os paralelos inevitáveis com os eventos cotidianos ao nosso redor, com a personagem de Ferguson, que atua com uma intensidade magnífica, vendo-se primeiro em um clássico whodunit em espaço confinado que logo se converte em um thriller repleto de mistérios e, mais importante do que isso, uma tensa corrida contra o tempo de Juliette tendo Robert Sims (Common em uma performance assustadora e de enorme presença física), o representante do Judiciário, como seu inimigo.

Graham Yost fez um trabalho de adaptação realmente excelente, sabendo utilizar a obra de Hugh Howie apenas como a estrutura da série, mas compreendendo as falhas do romance e consertando-as, em uma daquelas raras vezes em que o produto derivado é substancialmente melhor do que o original. O mundo a que Yost dá vida é o mesmo que Howie laboriosamente concebeu, mas Yost vai muito além ao efetivamente construir personagens complexos, vivos e identificáveis, mesmo aqueles que tem pouquíssimo tempo de tela em razão das exigências da narrativa. Claro que o destaque fica com Nichols e Sims, sempre em tensa oposição, mas há amplo espaço para outros personagens povoarem a narrativa, gravitando ao redor de Nichols. Um deles é o delegado Paul Billings (Chinaza Uche em uma ótima atuação contida e sofrida), que, escondendo uma doença debilitante, não sabe se segue à risca o Pacto ou se usa seus instintos, outro é Bernard Holland (Tim Robbins), como o sempre apaziguador e calmo chefe do departamento de tecnologia da informação e, finalmente, Martha Walker (Harriet Walter), uma engenheira reclusa e agorafóbica que é a figura materna para Nichols.

Mas o trabalho do showrunner em desenvolver o texto do romance original vai além dos personagens, já que há um cuidadoso quebra-cabeças a ser montado na lógica do universo criado de forma a tornar possível uma transposição de mídia que funciona muito bem em sua lógica interna. Cada peça está substancialmente no lugar em Silo e é fascinante ver Nichols, aos poucos, reunindo as peças que precisa para entender pelo menos parte da realidade do que acontece ali, nesse ambiente muito mais controlado do que ela sequer imaginaria ser possível e com objetivos que Yost consegue deixar enevoados até o final, que consta com um cliffhanger de abrir os olhos e de fazer qualquer um ansiar pela próxima temporada.

Aliás, apesar de eu jamais recomendar a maratona de episódios, devo confessar que ver um episódio por semana de uma série tão bem concatenada e cadenciada é uma pequena tortura, ainda que, por outro lado, chegar ao fim e saber da espera que temos pela frente também não ser um prognóstico interessante. Ferguson está tão bem na série que me peguei por diversas vezes “rebobinando” para ver sua linguagem corporal sempre contida e retesada, mas ao mesmo tempo alerta e sempre tentando reunir e organizar mentalmente as informações que tem antes de responder qualquer pergunta, soltar qualquer palavra.

Por fim, vale destacar que o conceito da série permite que a produção seja quase que totalmente independente de computação gráfica. O CGI está lá, claro, mas sempre para complementar cenários ou para raramente mostrar algo que seria economicamente inviável construir para o tempo e uso em tela. O restante é composto de cenários construídos para a série que, a não ser nos andares onde ficam as plantações, parecem um submarino na vertical com interior que parece uma fábrica centenária. A sensação de realismo é muito grande, assim como a de espaço vivido, com os detalhes de cada apartamento, cada departamento e cada grupo de andares nessa gigantesca estrutura refletindo os personagens, suas funções e, ao mesmo tempo, mantendo uma perfeita unicidade. É fácil acreditar nesse universo e, por vezes, quando os créditos começam a rolar, a vontade que dá é de voltar para lá tamanha a imersão.

Silo é ficção científica distópica da mais alta qualidade que reúne um elenco afinado, roteiros que conseguem, ao mesmo tempo, construir esse mundo, desenvolver seus personagens e ampliar a tensão a cada episódio e um design de produção que materializa essa cápsula do tempo que, ironicamente, por ser desprovida de informações sobre si própria, não tem memória de seu passado e nem perspectivas de futuro. A não ser que Juliette Nichols consiga, finalmente, virar esse jogo e retirar a venda dos olhos de seus compatriotas, claro.

Silo – 1ª Temporada (Silo – EUA, de 05 de maio a 30 de junho de 2023)
Desenvolvimento: Graham Yost (baseado em obra de Hugh Howie)
Direção: Morten Tyldum, David Semel, Bert & Bertie (Amber Templemore-Finlayson e Katie Ellwood), Adam Bernstein
Roteiro: Graham Yost, Jessica Blaire, Cassie Pappas, Ingrid Escajeda, Remi Aubuchon, Aric Avelino, Jeffery Wang, Lekethia Dalcoe, Fred Golan
Elenco: Rebecca Ferguson, Rashida Jones, David Oyelowo, Common, Tim Robbins, Harriet Walter, Avi Nash, Rick Gomez, Chinaza Uche, Will Patton, Ferdinand Kingsley, Shane McRae, Billy Postlethwaite, Chipo Chung, Remmie Milner, Matt Gomez Hidaka, Iain Glen, Caitlin Zoz, Geraldine James, Sophie Thompson, Sienna Guillory, Henry Garrett
Duração: 490 min.

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