Para aquele se fez o maior trabalho de sua carreira rasa como cineasta, não precisa ir muito longe para entender o que Luke Greenfield pretendia provocar com Show de Vizinha, seu longa-metragem de estreia: servir como um contraponto à tendência devassa sobre testosterona e adolescentes virgens em American Pie. Lançado em 2004, o filme chegava no intervalo do terceiro capítulo da franquia estrelada por Jason Biggs, seguia a mesma base temática, mas teve o cinismo para evidenciar: “sou como A Primeira Vez é Inesquecível, mas não mais um besteirol americano”.
Não que isso indique que texto trazia alguma metalinguagem crítica, porém, é válido reconhecer a abordagem carismática de Greenfield, com personagens mais interessantes do que um Stifler como símbolo da conquista do homem cis hetero — a exemplo de Paul Dano, em um papel pouco inspirado de sua notável filmografia, mas ainda assim eficiente. Para The Girl Next Door ter chegado num resultado menos pornográfico e depravado que sua divulgação sugeria, é porque Greenfield, de fato, conseguiu extrair algo curioso além da proposta problemática no roteiro escrito por Stuart Blumberg, David Wagner e Brent Goldberg, tendo os dois últimos nunca emplacado nada parecido, insistindo nas mesmas premissas em que mulheres são o pontapé para o amadurecimento do homem inexperiente.
Talvez, o que tenha impedido o filme de ser um exemplo de subversão é por justamente ter se inspirado tanto nos romances clássicos para vestir essa história que dizia ser bem mais séria do que as doses de euforia libertina de American Pie, mas o trio de roteiristas não estava pronto para se distanciar da fórmula que pensavam subverter, isto é, da mulher como coadjuvante do sucesso do homem. A maneira com que Show de Vizinha iniciava era mais promissora do que as quebras de expectativas desfavoráveis que o filme vai assumindo. Ao abrir com uma cena repleta de segundas intenções e em seguida interromper as interpretações duvidosas, era o primeiro sinal de que tinha, sim, um ponto interessante na peça.
Acima de tudo, o longa ainda era um coming of age com toques de comédia romântica, o que ficava muito claro nos seus primeiros trinta minutos, e mais precisamente, na maneira que apresenta seu protagonista Matthew (Emile Hirsch). Fazendo o inicial demonstrativo da memorável trilha sonora, ao som de Under Pressure, o filme capturava o típico dilema do clichê americano sobre o fim do colegial: o que fiz de memorável? Nota-se ali que tanto para Matt, ou para seus amigos, Klitz (Dano) e Eli (Christopher Rodriguez Marquette), em nenhum momento entra como questão a perda da virgindade, e sim algo que fizessem além da monótona rotina de bons estudantes. Isso muda ao menos para Matt, quando conhece sua nova vizinha, Danielle (Elisha Cuthbert).
O problema é que tudo acontece de maneira muito rápida, como se os arcos e dinâmica dos personagens fossem consequência do desenvolvimento desproporcional e esquemático da trama, mas ao mesmo tempo, havia algo envolvente na aproximação do ingênuo protagonista e sua vizinha, isso, graças ao prisma da comédia romântica e boa seleção para a trilha sonora — como This Year’s Love de David Gray na cena do primeiro beijo do casal. Se em American Pie a exibição feminina era tratada de forma ultraje, Show de Vizinha acertava quando a câmera não fazia de Cuthbert um símbolo constante de hipersexualização e fetichismo, deixando de escanteio a composição ideal da personagem. Ao tentar tirar o melhor da tendência high school dos ‘besteiróis‘ americanos, o filme ainda espelhava os sintomas do consumo da pornografia, mas sem o teor pervertido de A Primeira Vez é Inesquecível ao abordar o advento da web como meio de acesso, ainda assim, falhava ao fazer disso uma controvérsia do caráter feminino ao revelar Danielle como uma atriz pornô.
Show de Vizinha quis pegar todos os tropos que causavam comoção pela sua temática na década de 80, como Negócio Arriscado — a semelhança entre as tramas é inegável — depois, a retomada do subgênero através de American Pie e fazer a sua “resposta”, ou dizer, “pode se ter uma perspectiva melhor disso”. Mesmo funcionando bem como uma comédia romântica com pitadas desconcertantes de safadezas, ainda que superficialmente, o filme falava da indústria pornô com Kelly (Timothy Olyphant), carrasco produtor e também com o memorável ato final que definiu muito bem o diferencial por linhas tortas do roteiro: o retrato caricato do pornô pela comédia em vez de um total fetiche gratuito e machista como tratou Cuthbert.
Show de Vizinha (The Girl Next Door – EUA, 2004)
Direção: Luke Greenfield
Roteiro: Stuart Blumberg, David Wagner, Brent Goldberg
Elenco: Emile Hirsch, Elisha Cuthbert, Paul Dano, Christopher Rodriguez Marquette, Timothy Olyphant, James Remar
Duração: 109 min