Home TVTemporadas Crítica | Shining Vale – 1ª Temporada

Crítica | Shining Vale – 1ª Temporada

Uma sátira promissora que não atinge seu potencial.

por Felipe Oliveira
1,3K views

Conhecida por seu papel na sitcom Catastrophe – Sem Compromisso (que também escreveu), a atriz, cineasta e comediante irlandesa Sharon Horgan é um grande nome quando se trata de suas criações. O que caracteriza essas realizações, é sua visão em discutir realidades femininas partindo de áreas como maternidade e cônjuge, exemplos da Divorce e a famosa Motherland. Se unindo com Jeff Astrof (Trial and Error), Horgan avança em mais uma composição focada no protagonismo feminino ao mesclar seu recorrente estilo com a sacada paródica do produtor e roteirista em Shining Vale.

Foi lá em 2020 quando a Starz anunciou pela primeira vez sua nova atração, e muito do que chamou atenção, foi por descrever o projeto como uma mistura de sitcom e terror, e principalmente, por trazer Courteney Cox encabeçando uma série desde o fim de Cougar Town em 2015. Dentre seus poucos papéis de destaques, a atriz se tornou conhecida pela série Friends e a franquia slasher Pânico; agora ela retorna novamente às telinhas, numa empreitada que reúne duas categorias que mais tem proximidade: o terror e a comédia. Contudo, em Shining Vale, que melhor se resume como uma comédia de horror satírica, falta muito para que se mostre além do que sua concepção afoita e inconsistente permite alcançar.

Ao imaginar o show como uma comédia de terror, Horgan e Astrof foram habilidosos por escolherem uma trama recorrente no horror para então injetarem a visão pretendida na premissa que segue uma família atribulada e disfuncional tentando um recomeço numa nova residência, isto é, uma antiga mansão, que logo também se revela ser amaldiçoada. Essa é uma base genérica para o gênero por usar do sobrenatural como impulso ao reflexivo terror psicológico, e no cinema, não faltam exemplares de histórias tão bem trabalhadas nesse envoltório, e para compor a sua mitologia, Shining Vale adota elementos como nos filmes O Iluminado, Intermediário do Diabo, O Exorcista, O Bebê de Rosemary, transitando por uma debochada abordagem enquanto costura a isso os estigmas em torno da crise conjugal, crise da meia-idade e saúde mental, focando numa perspectiva feminina através da figura de Pat (Cox).

Mas como o título aponta, a maior inspiração que funciona em paralelo ao desdobramento da história se concentra na adaptação do famoso livro de Stephen King, assim, o “shining“, além da clara alusão ao longa de 1980, se propõe a agir como um peculiar universo alegórico em que as temáticas expressas se sucedem; um vale onde a maldição se expande para uma discussão analítica dos papéis desempenhados na chamada família Phelps. Mas vejamos. Todo esse fundo referencial não vai muito além da frágil camada da série estar emulando um então categórico filme em sua execução lúdica que utiliza da produção, mas constantemente zomba dos aspectos triviais que surgem em projeções do gênero. Ao contrário do efeito esperado por vestir essa película satírica, o resultado passa a sensação da série não saber como conduzir essa pegada sem parecer tosca, escrachada e perdida na tentativa de mesclar humor ácido numa composição sem muita personalidade.

O ponto mais decepcionante nisso, é que ninguém esperava que trilhar a série por este terreno se assemelharia a Murder House, a subtitulada primeira temporada da antologia de Ryan Murphy American Horror Story. Essa proximidade não é só pela ideia de uma família perturbada tendo os planos de um novo norte frustrados pelo passado maldito da casa que se alocam – bem como aquela pegada de terror presunçoso fazendo de sua bizarrice colossal e morbidamente sexual um salto diferencial narrativo para o terror, principalmente na TV – mas também, por misturar vários elementos recorrentes do terror e inserir algumas referências no caminho, como The Shining. Então, não é como se Horgan e Astrof fizessem algo inédito e fresco em sua proposta, essa é só uma ilusão da criação, afinal, até o incomodo abrupto que era simulado na edição série de Murphy, buscando imprimir os impacto das revelações, pode ser reconhecido em Shining Vale; a distinção para como Murder House usava de vários fatores perturbadores do horror para a série da Starz, é na forma que recorre à tiradas nos moldes do humor ácido para atingir a comédia, quando a sensação alcançada é só de algo ridículo sendo forçado.

Mas ainda bem que Shining Vale não se resume nessa sacada de discorrer sua história em paralelo ao O Iluminado – embora faça isso o tempo todo – apoiando até mesmo o clímax nisso, porque o resultado é só uma reprodução superficial dos eventos; mas a pouca substância aproveitável que vai ganhando força se deve a articulação reflexiva por meio de Pat. De toda forma, as performances e construção de personagens de Cox, Mira Sorvino e Greg Kinnear são o que mais funcionam, e Kinner é o que mais se diverte no papel do esposo aloprado. Pois, até a ideia batida dos filhos rebeldes é mal utilizada, em todos os sentidos. Não se tem um subtexto que preencha essa lacuna tosca de criar situações caóticas da relação familiar pesada, e só piora com a atuação de Gus Birney que não consegue funcionar dentro da proposta risível da família instável e sua Gaynor digna de uma adolescente de besteiróis americanos.

Embora o maior problema desde o início em Shining Vale seja na sua falta de sutileza e paciência para trabalhar com o terror e desenvolver suas temáticas, com o decorrer da temporada, os episódios foram funcionando pelo que conseguiram render de alguma forma com alguns arcos, porque, constantemente, as ideias pensadas não pareciam obter a finalidade pretendida e muito menos narrativamente, já que visualizar as referências cinematográficas não era o suficiente quando utilizar de alguns elementos triviais do gênero simplesmente soava deslocado à abordagem de comédia de terror.

A forma afoita de jogar com esses elementos ao menos deu um pouco de suspiro para o desenvolvimento central de retratação de personagem vista em Pat. Assim como Jack Torrance, a sra. Phelps é uma escritora em crise, e o novo lar seria o cenário ideal para se reconectar criativamente, mas se torna palco de manifestação para todos os fatores que contribuíram para este recomeço, isto é, a depressão, alcoolismo, pressão de corresponder ao seu livro de sucesso que falava sobre o prazer feminino e foi rotulado como pornô para mulheres; na maternidade, casamento e a soma disso resultar numa fuga na infidelidade. Essa sobrecarga impressa em Pat logo colide com um lado desconhecido seu manifestado através da entidade Rosemary (Sorvino), a seduzindo a se permitir a uma versão reprimida. Nesse envoltório, entram também as cutucadas para os estigmas acerca do uso e abuso de medicamentos no tratamento de doenças psicológicas, hereditariedade e até como a conversa sobre saúde mental é encarada ou diluída de maneira generalizada.

O seu desfecho, ainda que anticlímax, consegue fechar a metáfora ao apontar sobre a recorrente retratação da instabilidade feminina, com todos os eventos vividos por Pat, principalmente no casamento,  por último, sendo tachados como histeria. Caso a série não retornasse para um segundo ano, foi interessante o exercício de dialogar com a linguagem do terror uma discussão permanente, apesar que não tenha encontrado uma execução na mesma medida. No entanto, há potencial de migrar para uma antologia que envolve um “shining vale“, o cenário sombrio para novas alegorias. Com a comédia, AHS teria um novo nome.

Shining Vale (EUA, 2022)
Criação: Sharon Horgan, Jeff Astrof
Roteiro: Sharon Horgan, Jeff Astrof, Jill E. Blotevogel, Lindsay Golder, Julieanne Smolinski
Direção: Alethea Jones, Liz Friedhandler, Catriona McKenzie, Dearbhla Walsh
Elenco: Courteney Cox, Mira Sorvino, Greg Kinnear, Gus Birney, Dylan Gage, Merrin Dungey, Alysia Reiner
Duração: 30 minutos (8 episódios, cada)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais