O Capitão Marvel (Captain Marvel/William “Billy” Batson) — futuro Shazam! — surgiu na segunda edição da Whiz Comics, com data de capa de fevereiro de 1940, criado por Bill Parker (roteiro, cores, editoria) e C.C. Beck (arte, finalização, capa). O herói veio na esteira de concepções editoriais frente à fórmula que deu fama ao Superman (personagem da então National Comics, futura DC), e rapidamente caiu nas graças do público, tornando-se um fenômeno de vendas, algo que muito incomodaria a NC/DC, gerando o famoso processo contra a Fawcett.
No presente compilado, trago as críticas para as edições que mostram o crescimento da Família Marvel e de personagens recorrentes e importantes para a jornada de Shazam, desde a chegada dos Tenentes, em setembro de 1941, até a entrada em cena do Seu Malhado, o tigre falante.
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O Quatro Vingativos
The Vengeful Four
Grandes poderes precisam ser usados com cautela.
Capitão Marvel, 1941
Toda família tem o seu momento de crescer, não é mesmo? Seja com a adição de um animal, de outros humanos ou dos dois, o fato é que nossa constante interação social nos leva para esse momento em que o grupo íntimo do qual fazemos parte irá aumentar de alguma forma. E sim, isso já havia acontecendo na Whiz Comics antes, em A Origem do Dr. Silvana, com a apresentação de Magnificus e a oficialização de Beautia também como filha de Silvana. Faltava, então, o acréscimo real na vida de Billy. E isso viria em fases diferentes, começando em setembro de 1941, com a criação dos Tenentes Marvel.
Nessa história, Billy conhece outros três garotos que também se chamam Billy Batson, e que vão até a rádio onde o “verdadeiro BB” trabalha só para falar que possuem o mesmo nome (segurem aí esse tsunami de conveniência/coincidência/nonsense). O encontro não é exatamente dos mais inteligentes e o leitor sabe o que vai acontecer a seguir, então consegue fingir um pouco até que vem a revelação dos Lieutenant Marvels, composto pelos autonomeados Fat Marvel, Hill Marvel e Tall Marvel.
Na trama, Billy se une a eles contra o Dr. Silvana e seus três novos parceiros: Biggy Brix, Captain Death e Herr Geyer, integrando com eles o “The Vengeful Four”. A relação de Billy com os outros Billys não está muito bem colocada no roteiro, mas eu gostei da parte final da história, com os quatro em ação. O curioso aqui é que Silvana revela a identidade secreta de Billy para os seus bandidos-parceiros da vez. E o “positivo” dessa questão é que todos estão aparentemente mortos no final, exceto Silvana, obviamente, então o perigo dessa informação vazar é logo neutralizado.
Whiz Comics Vol.1 #21 (EUA, setembro de 1941)
Roteiro: Provavelmente Ed Herron
Arte: C.C. Beck
Capa: C.C. Beck
Editoria: Ed Herron
12 páginas
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A Origem do Capitão Marvel Jr.
The Origin of Captain Marvel, Jr.
Embora não tão boa quanto a origem do Capitão Marvel, em 1940, esta segunda adição à Família traz uma série de referências e faz uma porção de ligações com o passado, tornando a edição um verdadeiro fan service da Era de Ouro. O vilão da vez é Albrecht Krieger, o Capitão Nazi, que está nos Estados Unidos tentando levar adiante o seu plano de caça a heróis do país, a mando do próprio Hitler. Aqui, é preciso lembrar que a história data de 1941, portanto, a Segunda Guerra Mundial estava em andamento, o que torna esse tipo de indicação do roteiro particularmente importante.
Dentre os planos do Capitão Nazi (e uma das melhores coisas dessa edição é justamente a quantidade de planos que ele vai fazendo para despistar Shazam e conseguir fugir) está o boicote de uma barragem de represa. É a partir desse ponto que uma série de acontecimentos levarão o herói a se encontrar com Frederick “Freddy” Freeman. Na cena em que o evento trágico da revista se dá, Freddy está pescando com seu avó e vão resgatar um “pobre homem” que caiu nas águas do rio. Eles não esperavam, claro, que iriam encontrar um espião nazista.
Com um soco (!) o vilão mata o avô de Freddy e também esmurra o menino, que cai na água e é arrastado pela correnteza até à margem, com as costas quebradas e pouca possibilidade de sobrevivência. É a partir daí que temos as portas abertas para o fan service. Ao saber que os médicos não poderiam fazer muita coisa pelo menino, Billy o leva para a Pedra da Eternidade, onde o mago Shazam é invocado e a possibilidade de transferência de poder é levantada. Agora, toda vez que disser “Capitão Marvel!” Freddy irá se transformar no Capitão Marvel Júnior.
E o legal é que no final ele ainda fica com uma marca dos eventos (sua versão normal será sempre manca), provando uma certa maturidade da revista, algo raro, porque as histórias da Família tendiam a ser mesmo bem infantis. Apesar dos problemas no desenvolvimento, esta certamente é uma boa história de origem, deste que seria o super-herói favorito de Elvis Presley.
Whiz Comics Vol.1 #25 (EUA, dezembro de 1941)
Roteiro: Ed Herron
Arte: C.C. Beck, Mac Raboy
Cores: Ed Herron
Capa: C.C. Beck, Pete Costanza
Editoria: Ed Herron
12 páginas
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Capitão Marvel Apresenta Mary Marvel
Capt. Marvel Introduces Mary Marvel
“Galera, eis aqui uma grande surpresa… conheçam a minha irmã Mary! Vocês não sabiam que eu tinha irmã, não é? Bem… nem eu! Eu sempre achei que fosse um órfão sem nenhum parente no mundo. Mas não é preciso dizer que eu estou feliz e orgulhoso de descobrir que tenho uma irmã. Aqui está ela e eu tenho certeza que vocês irão adorá-la, tanto quanto eu! Esta é a história de como eu a encontrei…“. E é com esta narração que começa a quinta adição à Família Marvel. Depois de quatro meninos, agora era a vez de uma menina, a própria irmã desconhecida de Billy Batson… Vê-se que a Fawcett Publications não queria perder tempo nenhum na possibilidade de faturar cada vez mais em cima do fenômeno de vendas que era o Capitão Marvel na época.
O enredo começa com Billy estreando um novo programa na rádio, o The Mental Marvel Quiz Program, para o qual o estúdio recebe alguns convidados, dentre eles, Freddy (chamado pelo próprio Billy) e Mary Bromfield, garota criada por uma família rica e que o menino Batson acaba descobrindo ser a sua irmã gêmea, separada dele no nascimento por uma enfermeira que se confessa ao garoto no momento da morte, dando a ele algo que o faria identificar quem era a sua irmã. E nessa versão da Era de Ouro da nova personagem, seus poderes são atributos de figuras femininas (e uma masculina) do panteão grego e romano, a saber:
- Selene, de quem recebe vigor;
- Hipólita, de quem recebe força;
- Ariadne, de quem recebe coragem;
- Zéfiro, de quem recebe velocidade e voo;
- Aurora, de quem recebe a beleza e poder;
- Minerva, de quem recebe sabedoria.
Uma visão mais dura em relação à obra certamente apontaria as enormes coincidências da trama (como de praxe, nessas aventuras da Era de Ouro). Mas essas coincidências se tornam verdadeiramente incômodas quando estão em um cenário que não trazem nada de mais interessante para compensar ou até dar algum suporte ao exagero do autor. Se a história não é lá essas coisas, todas as outras pequenas falhas acabam sendo maximizadas e atraindo muita atenção para si. Não é o caso dessa aventura. Há aquela simpatia típica de histórias familiares que emana do enredo e, mesmo com cacoetes dos roteiros da época (como o tratamento condescendente dado à garota, embora isso se torne uma arma de ação da própria Mary), consegue se manter em alta, no final de tudo.
Captain Marvel Adventures Vol.1 #18 (EUA, dezembro de 1942)
Roteiro: Otto Binder
Arte: Marc Swayze
Capa: C.C. Beck
Editoria: Al Allard
12 páginas
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Hoppy, o Coelho Marvel
Hoppy the Marvel Bunny: Millie
Também chamado de “Joca Marvel” aqui no Brasil, Hoppy fez a sua estreia nos quadrinhos nesta primeira edição da Fawcett’s Funny Animals, numa história em que ele está querendo conquistar uma coelhinha chamada Millie. Para isso, o vemos, já no início, lendo diversos livros e tomando diversas substâncias para ficar bem forte. Sim, senhoras e senhoras, a expressão “GADO DEMAIS”, na verdade, foi criada na Terra-S, por um coelho fracote que passava vergonha na frente de sua amada. Durmam com essa.
Eu disse anteriormente que a Fawcett Publications estava a todo vapor aproveitando o faturamento ligado às publicações do Capitão Marvel, criando mecanismos para que a Família de poderosos de capa só aumentasse. E depois dos Tenentes, do amigo Jr. e da irmã Mary, por que não um animal? A estreia de Hoppy é interessante porque não deixa a realidade de lado. Mesmo nesse mundo da ‘Funny Animalville’, Chad Grothkopf (autor e também desenhista da edição) não deixa de falar da guerra e dos nazistas, fazendo uma história que, a despeito da representação infantil, estava inteiramente ligada à sua realidade.
A trama não se desenvolve com perfeição, mas é possível identificar todos os ingredientes que em anos vindouros veríamos aos montes nos desenhos animados da televisão. Uma história de um contexto sério, mas com uma abordagem à la slapstick que diverte e até choca um pouco (o final, com o “mixer“, fez o meu queixo cair… Afinal de contas, é uma revista infantil de 1942, não é mesmo?). Mais uma interessante adição à Família estendida!
Fawcett’s Funny Animals Vol.1 #1 (EUA, dezembro de 1942)
Roteiro: Chad Grothkopf
Arte: Chad Grothkopf
Capa: Chad Grothkopf
Editoria: Ralph Daigh
12 páginas
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Mary Marvel Encontra Seu Tio Marvel
Mary Marvel Meets Her Uncle Marvel
Mas que historinha sem graça!!! Primeiro, que o roteiro de Otto Binder aqui é inteiramente de mal gosto e mal tom, fazendo com que Mary despreze inteiramente sua mãe (adotiva) como alguém legítimo em sua vida e lamente “porque não tem um parentes“. Confesso que tudo o que veio depois ficou contaminado por esse horror de argumento indefensável. E para piorar, a história envolvendo o tal Tio Marvel tem poucos pontos interessantes ou engraçados, como são frequentes nessas apresentações mais simples da Família. Ou pelo menos eram, até este ponto.
Já o Uncle Marvel é um personagem estranho. Questionável. Uma farsa fofinha, gordinha, atrapalhada, muito interessada em dinheiro mas, no fim das contas, uma pessoa de bom coração e coragem. Se o leitor conseguir passar pelo resmungo terrível de Mary “porque não tem um parente de verdade” (vocês não têm noção do quanto isso me irritou) e a bizarra e inexplicável entrada em cena do Tio Dudley H. Dudley, sem maiores preocupações com a lógica do roteiro, talvez consiga chegar até o final e possivelmente ria um pouquinho das trapalhadas do tal homem… e do leve teor moral da saga.
Wow Comics Vol.1 #18 (EUA, outubro de 1943)
Roteiro: Otto Binder
Arte: Marc Swayze
12 páginas
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A Família Marvel Une Forças
The Mighty Marvels Join Forces!
O mago Shazam conta à Família Marvel sobre o primeiro campeão a quem ele concedeu poderes, ainda no Egito; o ambicioso e moralmente questionável Teth-Adam (e aqui, vamos atentar para o fato de que o mago é sábio, o que nos faz questionar o fato de ele ter dado poder a alguém tão visivelmente volátil de alma). Mas tudo bem, vamos ignorar a rala noção de passagem dos anos e dizer que o tempo e o poder corromperam Teth-Adam, e que ele se voltou para o mal. Melhor assim, não? Pois bem, o vilão então é punido pelo mago e enviado para a estrela mais distante do Universo, sendo nomeado de Black Adam pelo seu criador.
Nesta primeira aventura da Família Marvel em título solo, vemos o retorno do Adão Negro e, para firmar o time completo, o roteiro de Otto Binder coloca toda a família (bem… faltaram os Tenentes e o Coelho Marvel — e qualquer um desses seria infinitamente melhor que o tal Tio Marvel — mas vamos seguir) brigando com o renegado pelo mago, numa batalha que seria de fato interessante se esta não fosse uma revista de estreia e se o roteiro não se sentisse obrigado a recontar a história de origem dos três poderosos e falar brevemente do Uncle Fraude.
Embora eu não goste muito do atrapalhado sem poderes, devo admitir que ele tem um papel importante nessa história, porque possibilita a libertação dos meninos prisioneiros enquanto Mary tenta vencer Adão Negro, que já em sua estreia se mostra alguém muitíssimo poderoso. Também é do Tio Marvel a iniciativa para invocar o mago e pedir ajuda, assim como a execução do plano que vence o vilão. Importância reconhecida, volto à ranzinza percepção em relação a ele, que a despeito de tudo isso é um personagem muito chato, ao menos nessas primeiras aparições da Era de Ouro.
Essa história tem aquele impacto de junção de diversos heróis para vencer um inimigo em comum, mas o didatismo e as quebras de narrativa para mostrar como cada um deles surgiu estraga muita coisa da nossa experiência.
Marvel Family Vol.1 1 #1 (EUA, dezembro de 1945)
Roteiro: Otto Binder
Arte: C.C. Beck
Capa: C.C. Beck
Editoria: Wendell Crowley
12 páginas
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O Tigre Falante e O Retorno do Seu Malhado
The Talking Tiger / The Return of Mr. Tawny
Conhecido aqui no Brasil como Seu Malhado, o tigre falante das histórias do Capitão Marvel apareceu pela primeira vez em 1947, na edição #79 da Captain Marvel Adventures. Ainda que seja uma aventura de primeira aparição, sem história de origem, temos uma interessante entrada do personagem em cena, cheia de mistérios sobre como ele aprendeu a falar, sobre quem é o eremitão da floresta que estava com ele, sobre o seu próprio futuro na cidade. E o mais legal é a maneira cômica como Otto Binder escreve as primeiras interações do tigre com o Capitão Marvel, a coisa que realmente diverte nessa primeira trama.
Mesmo com as explicações dadas na edição #82 da mesma revista, eu ainda preferiria que Mr. Tawky Tawny tivesse alguns elementos mais agressivos, algo que pudesse demonstrar, ao menos como instinto, um pouco de sua persona animal. Quando vemos uma total absorção da personalidade humana em personagens antropomórficos, a gente entende a premissa e a maneira como essa relação se dá… Ocorre que aqui estamos diante de um tigre, que mesmo tendo uma história de origem que o modificou (ele bebe um soro dado pelo ermitão para poder falar), algo a mais poderia ser mostrado, além do fato de ele usar suas habilidades animais como farejar ou saltar, por exemplo.
A própria edição de origem é melhor que a primeira aparição do personagem, com uma boa trama de tragédia e amizade que coloca o tigre e o humano Tom Todd em situações difíceis, em momentos e lugares diferentes de suas vidas. Claro que não poderia faltar o ponto de suspensão da descrença, mas nada muito grave, a ponto de tornar essas histórias ruins.
Captain Marvel Adventures Vol.1 #79 e 82 (EUA, dezembro de 1947 e março de 1948)
No Brasil: Ebal, 1976
Roteiro: Otto Binder
Arte: C.C. Beck
Arte-final: Pete Costanza (#82)
Capa: C.C. Beck
Editoria: Wendell Crowley
24 páginas