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Crítica | Shazam! (2019) – Com Spoilers

por Gabriel Carvalho
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“Billy Batson, eu escolho você como campeão.”

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O nascimento de um bebê

Você conseguiria ser suficientemente bom para tornar-se um grande super-herói, caso uma magia surgisse abruptamente aos seus pés, conferindo superpoderes extraordinários ao seu corpo? A sabedoria de Salomão, a força de Hércules, a coragem de Aquiles, o poder de Zeus, a resistência de Atlas e a velocidade de Mercúrio. Caso todas essas virtudes fossem transferidas a você, com uma palavra apenas o distanciando de uma pressuposta grandiosidade, reagiria responsavelmente ou irresponsavelmente? Dirigido por David F. Sandberg, conhecido por projetos pautados no horror – os primeiros minutos mostram isso -, Shazam! é uma comédia que coloca o espectador frente a uma jornada relacionada a acreditar nos potenciais das pessoas. Propõe nos indagar o que significa, para uma criança, merecimento, capacidade e oportunidade e o que essas noções representam para o seu crescimento. Tudo, porém, irá retornar a um conceito recorrente em projetos cinematográficos.  Qual o mais importante dos alicerces para se criar crianças e pessoas?

Um lar harmonioso, não é a verdade? Ou seja, o que acontece com aqueles que não possuem isso? Billy Batson (Asher Angel), um garoto travesso, sem pai, sem mãe e sem casa, após ter sido escanteado tanto por quem importava para o jovem, perdeu sua pureza. Como o antagonista – primeiro apresentado -, também não possuiu uma estrutura familiar carinhosa. Então, já que o menino não é tão inocente assim, por que transformou-se, mediante a intercessão de um velho mago, em um super-herói? Uma mera coincidência. “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”, comentava Tio Ben a um jovem Peter Parker, o conhecido Homem-Aranha. O garoto tornar-se-ia, por conta do quão aleatório é o universo, assim como Billy, um super-herói. E arcaria com as responsabilidades, em uma jornada de amadurecimento. Mesmo caminhando por essa trajetória tão costumeira, a obra assina uma mensagem sua sobre a importância de um lar. Todos possuem potenciais. Um grupo, um apoio, pode ser um sustentáculo a acreditarmos em nós.

Tobey Maguire, na saudosa trilogia de Sam Raimi, entrava em uma jornada de vingança, querendo vingar o seu tio morto injustamente. Um tom sombrio era bem marcante, pois a criminalidade era uma ameaça mais sensível. Billy Batson, por sua vez, viverá aventuras juvenis, sem se preocupar nem um pouco com responsabilidades. Os poderes são poderes, quer use-os para algum fim ou não. Billy e o seu amigo-irmão Freddy (Jack Dylan Grazer) querem saber de comprar cervejas – e depois cuspir o conteúdo -, ganhar status nas redes sociais e arrecadar grana. Logo mais um teor grave surgirá pontualmente, ainda que cartunesco e compartilhado com a jocosidade sem comprometimentos. É a presença de um super-vilão maligno, mas que dialoga constantemente com Billy em origem traumática. Pois ambos, tanto o herói quanto o vilão, foram rejeitados pela instituição primeira ao ser: a família. Batson terminará sendo adotado outra vez, por uma  casa que acolhe crianças órfãs. O protagonista, portanto, precisará crer no funcionamento daquele ambiente.

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Os primeiros erros de uma criança

Uma diferença, porém, separa o protagonista do antagonista. Billy não é negado. E se fosse? Embora possua nuances tão instigantes, que incrementam em substância o enredo, Shazam! não se preocupa em concretizar várias das questões que sugere. Como, por exemplo, o Mago Shazam (Djimon Hounson) ter errado quando tornou-se rigoroso sobre as pessoas possuírem potenciais – rapidamente as rejeitando -, sem nem antes as propor ensinamentos – o contrário de um mestre como o Yoda, citado no próprio longa posteriormente. O Doutor Estranho precisou aprender com um ancião. Thor teve que ir para a Terra tornar-se digno. Esse personagem, entretanto, é apenas uma manivela narrativa, jorrando conceitos – uma mitologia bastante simples e compreensível – que seriam mais orgânicos caso o roteiro se propusesse a amarrar os acontecimentos e a sua mensagem com mais competência. Depois de repassar, no desespero, os seus poderes a Billy, o personagem some. Iremos, ao invés de experienciarmos uma progressão, assistir só a reiterações.

E a contraposição entre o protagonista e o antagonista, rejeitado quando criança pelo mago e também pela sua família, poderia ser bem mais provocante. Os confrontos são engraçados, mas uma acidez possivelmente crescesse o longa. Colocaria os personagens para pensarem com mais intensidade suas condições dentro de uma sociedade, mesmo que com um humor subjacente se entendendo como necessário. Essas questões permanecem em um ambiente mais raso, enquanto a graça mesmo é ver o gênero de super-herói originar-se dentro de um mundo em que super-heróis existem e são aclamados. O super-vilão precisaria ser mais que apenas uma piada com super-vilões serem obrigatórios às origens dos super-heróis, revistas aqui. Pois as temáticas são importantes dramaticamente, apresentadas com vigor, mas esquecidas para dar margem a um tratamento mais genérico ao drama do antagonista e até mesmo ao do garoto. O Doutor Silvana (Mark Strong) se torna um vilão de uma nota só. E o seu pai, que o criou sem dar amor, um menor.

Batson, quando era uma criança, morava com a sua mãe, até que se perdeu dela no parque. Uma reviravolta, porém, aponta que, na verdade, sua mãe sabia qual era o seu paradeiro, mas preferiu o abandonar. Tudo isso é apresentado de uma maneira bastante automática, sem espaço para que haja reflexões acerca do que aconteceu e do que está acontecendo com esses personagens. Os flashbacks surgem sem pedir nem uma licença. Que tal Billy retirar, após o esperado encontro, a sua mãe daquela situação de aparente abuso doméstico? Quiçá fosse tocante. Mesmo assumindo uma simplicidade, o roteiro de Henry Gayden e Darren Lemke expõe os seus desperdícios, suas inconclusões e o quão, em alguns aspectos, alcança apenas a superfície. Freddie, além do mais, questiona o uso que Billy dá aos seus poderes, mas não os usaria para fins melhores – e sim ganhar fama no colégio. O moralismo torna-se mais contraditório e menos sincero. Onde que a jornada de aprendizado, reconhecer o amor, vai morar?  O que resta é a energia, o carisma e vigor.

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O amadurecimento de um adolescente

Já com uma simplicidade que mostra ser mais sincera, Sandberg encontra méritos na construção de Shazam!, principalmente em seus valores de gênero: a comédia e ação que se unem. Empolga os espectadores, vide uma montagem ritmada, sempre se encaminhando à continuidade, ou seja, priorizando um timing certeiro. É muito gostosa a apresentação do protagonista ao seu novo lar, onde mais personagens simpáticos aparecerão, cada um com sua personalidade ímpar. Quando Batson conquistar os seus poderes, passando a ser interpretado por Zachary Levi – muito crianção e convincente -, o longa ganhará ainda mais dinâmica, compreendendo o mundo super-heroico ao seu redor como um universo também adolescente, baseado na crença em celebridades. Essa é uma obra que mistura o realismo mais sóbrio da Warner/DC com a magia, ganhando uma identidade visual que é muito particular – e estranha também -, mas que é justificada. As cores dos uniformes contrastam com o cinza de Filadélfia. Já ações do protagonista realizando proezas são capturadas como se fossem espécies de visões documentárias duma emancipação super-heroica.

Momentos mais empolgantes são, em um outro plano, guardados para o terceiro ato do filme, compensando um pouco do quão repetitiva a obra termina sendo, estourando as duas horas de duração. Um conceito que é clássico nos quadrinhos do Shazam, a Família Shazam – ou Família Marvel -, com os poderes e cargos mágicos sendo assumidos por todos os irmãos do protagonista, surfa numa graciosa onda que, magistralmente, Homem-Aranha no Aranhaverso também surfou. Esse conjunto é muito querido, pois Sandberg quer retratar o vínculo amoroso que existe naquele ambiente e consegue – os pais estão muito bem dirigidos. Os personagens que se tornam poderosos são, portanto, uma contra-argumentação ao equívoco do Mago Shazam, apontando quem e quem não seria capaz de ser super-herói. Um erro tão grosseiro que resultou na criação do próprio Doutor Silvana, garoto ressentido por nunca ter sido prestigiado, visto como sucata. Todos nós podemos ser maravilhas, reitera-se o projeto. Shazam! é uma obra que desperta a crença na grandiosidade do ser, quem quer que seja. E também encontra em famílias um ideal de amor puro.

Embora a comédia fique menos natural no clímax – as piadas com o Papai Noel -, Shazam! ao menos costura-se, com ternura e alegria, como uma aventura que se importa em ser mais contida e confortante. Em paralelo a isso, traz uma visão coerente em que os poderosos vencem coletivamente e não por si sós, juntando isso a sua ótica de núcleo familiar. Se não consegue traçar um discurso coeso sobre essa instituição antes rejeitada por Billy, Shazam! termina sendo, ainda assim, um filme para família, com uma pegada oitentista, mas não vazia, que incrementa a experiência. Os monstros que parecem stop-motion de massinha, assustadores, assim como as referências à Quero Ser Grande e outros clássicos. Pois essa nostalgia se amarra a um mundo com a estética contemporânea e a mística. O Superman existe e crianças podem ser super. Mesmo tropeçando no caminho, encontrando os seus obstáculos no meio de um voo enormemente espirituoso, Shazam! conseguiu, enervando-nos com sorrisos, esclarecer os céus escuros da DC.

Shazam! – EUA, 2019
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Henry Gayden, Darren Lemke
Elenco: Zachary Levi, Djimon Hounsou, Michelle Borth, Mark Strong, Jack Dylan Grazer, Adam Brody, Meagan Good, Asher Angel, Marta Milans, Ross Butler, Lovina Yavari, Grace Fulton, John Glover, Stephannie Hawkins, Cooper Andrews, Natalia Safran, D.J. Cotrona, Evan Marsh, Ava Preston, Faithe Herman
Duração: 132 min.

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