Muito conhecido por seu trabalho na TV — sendo os destaques com as séries The Crown e Andor — Benjamin Caron joga com uma estreia ambiciosa na direção de um longa-metragem, nessa parceria com a Apple e A24, a qual é descrita como um “suspense neo-noir”. E esse parece ser apenas um chamariz para o conceito pretendido enquanto a execução está longe de se encontrar dentro do estilo caracterizado por apresentar personagens controversos, ambíguos e histórias criminais. Contrapondo a linha entre mocinhos e vilões, o resultado de Sharper – Uma Vida de Trapaças mais se assemelha a um grande ensaio arrastado ao que poderia ter sido.
E ingredientes não faltam quando se tem um elenco afiado e encabeçado por Julianne Moore, convenhamos, no entanto, enquanto mirava numa abordagem de thriller clássico, o filme escrito por Brian Gatewood e Alessandro Tanaka quer ser reconhecido por suas reviravoltas. O que, claro, não há algum problema em construir uma trama onde a maior jogada é como brinca e subverte as impressões dos personagens com o espectador, sendo este o principal combustível de entretenimento, porém, o que contrapõe as intenções da premissa comparado ao que é entregue é por ser tudo muito raso, menos inteligente do que imagina e confundir complexidade com obviedade.
Para pavimentar a trama, que bebe do universo neo-noir, a montagem de Yan Miles organiza a história por capítulos, conforme os nomes dos personagens, sempre oferecendo um olhar alternativo a como as linhas se conectam. Dessa forma, é como deveria funcionar o impulso narrativo quanto às reviravoltas narrativas uma vez que ninguém, é, de fato, quem aparenta ser neste thriller que expõe um arriscado jogo de poder, manipulação e ganância na cidade de Nova York. Se tratando da ambientação, há as características cenas noturnas que dão tom a composição urbana, mas sem nunca se tornar um elemento visualmente marcante já que são aspectos que se perdem pela maneira artificial que a narrativa é trabalhada.
Ter essa configuração dividida por capítulos serviria para o artifício óbvio de instigar o espectador a chegar na ponta dessa pirâmide de personagens corruptíveis, de “detectar as mentiras” desse mistério “com camadas”, porém, falta aqui a agilidade que nem mesmo Caron consegue apresentar em sua execução cheia de estilo mas sem impacto. Sharper é um dos casos que o elenco está muitíssimo bem em seus papéis, extraindo o que há de melhor do roteiro já que a direção deixa a proposta, literalmente, na sombra do que poderia ter sido: um suspense neo-noir, intrigante, inteligente e sagaz, sendo, no final, um fraco suspense sem ápice para entregar as supostas reviravoltas que a trama promete.
No primeiro capítulo, somos apresentados a Tom (Justice Smith), o anti-herói que cai na trama de vigaristas de Nova York, mas ao contrário do efeito pretendido de tornar cada capítulo um quebra-cabeça sobre os personagens, a escolha faz parecer que Sharper é um esboço de ideias que não consegue ser interessante. Há algo realmente bem bolado ao ter o final de todo arco desenvolvido como a ponta solta que irá se conectar no próximo, contudo, a direção não consegue dar conta do golpe ambicioso que o roteiro articula. Isso sem falar que os capítulos poderiam também funcionar como uma coletânea de contos “neo-noir” sobre vigaristas e que termina se relacionando no final, e isso traria uma perspectiva mais eficiente para narrativa e os personagens, principalmente Tom, que perde a força de seu protagonismo na fraca execução de Caron — quando sua história teria mais impacto, ainda que óbvia, como um Romeu apaixonado que caiu num golpe.
Mas pensando em Sharper pela sua proposta e o que a direção desenvolve, sua maior trapaça é nunca ser tão bem articulado quanto o elenco. Moore sem dúvidas é um show de carisma e diversão em sua performance, mas Briana Middleton prova porque tem sido um talento em ascensão e que merece mais destaque em Hollywood. Vale também pontuar a fotografia atraente de Charlotte Bruus Christensen que nas linhas mais sutis, é um acréscimo a composição dos personagens ao envolvê-los sempre na característica dinâmica de luz e sombra e pouca iluminação em sinal de suas intenções obscuras.
Sharper – Uma Vida de Trapaças (Sharper – EUA, 17 de fevereiro de 2023)
Direção: Benjamin Caron
Roteiro: Brian Gatewood, Alessandro Tanaka
Elenco: Julianne Moore, Sebastian Stan, Justice Smith, Briana Middleton, John Lithgow, Phillip Johnson Richardson, Quincy Dunn-Baker
Duração: 116 min.