Percebam, caros leitores, que o vírus da “novelização” toma conta de Shadowhunters sem nem disfarçar e cada vez mais e mais fortemente.
A impressão que temos é que quanto maior for a possibilidade de tornar a série interessante e cheia de intrigas que podem sim sobreviver sem essas idas e vindas de amor reprimido e sentimentos ocultos sublimados com “fascilização” de alguém, maior é a orientação da produção da série (embora esta não seja a única a sofrer com esse tipo de visão, vide The Flash e Legends of Tomorrow) para que o romance e as frases de efeito tomem conta de tudo.
Já na reta final da temporada, os capítulos Bad Blood e Rise Up nos mostram um mundo em pé de guerra. Forças de diversas camadas da hierarquia de mundos se unem ou se atacam. Prisões arbitrárias, paranoia, desconfiança e traições vem à tona. A sempre funcional e sempre interessante, sem bem utilizada, dinâmica da ascensão de indivíduos ou grupos de caráter fascista é aplicada aqui de forma sistemática e que funciona de maneira aceitável em alguns aspectos, mesmo que na totalidade dos dois episódios não tenhamos algo muito bom. Nesses casos, tanto o lado dos mocinhos quanto dos bandidos sofrem baixas e crises internas, tendo consequências drásticas para alguns seguidores.
Normalmente os roteiros desse tipo de obra mais sombria — e isto deveria aparecer aqui em Shadowhunters — optam por uma sequência crua e ágil de eventos (lembram-se de Of Men and Angels?), já que qualquer outro tipo de inserção nessa preparação para a guerra tomaria tempo demais e diminuiria o impacto necessário do plot de conflito, ao menos em episódios de TV (em filmes esse tipo de prática pode funcionar porque a duração permite alguns desvios, desde que sejam coerentes). Percebam como é difícil suportar os lamentos do novo vampiro Simon; a relação forçada e insuportável entre Jace e Clary — piorado pela tenebrosa atuação de McNamara e Sherwood; o comportamento incoerente de Alec; a estranha mudança que deram para Magnus (por que modificar o personagem a essa altura?); a presença anticlimática de Valentine, o vilão que causa menos impacto do que todos os sub-vilões da série.
Pelo menos é possível ver que nos dois episódios os diretores tentaram contornar as besteirinhas dos roteiros e dar nuances do merecido impacto épico que esse final de temporada merece. Evidente que, por força da estrutura fraca dos argumentos e de um elenco bastante inconstante em qualidade de atuação (poucos se salvam), os episódios não divertem como deveriam. Na verdade, eles nos deixam cada vez mais irritados. As frases de efeito e as estranhas demonstrações de emoção à flor da pele que são colocadas a cada dupla de cenas atrapalham a nossa apreciação e muitas vezes estão ali para esconderem buracos que de outra forma seriam facilmente percebidos, como a colocação questionável de outros antagonistas (ou suspeitos) nesse momento de crise.
Não é difícil gostar de alguns momentos de luta, da maquiagem dos monstros que atacam o instituto ou de alguns efeitos, coisas que tornam Bad Blood e Rise Up parcialmente interessante em termos técnicos, mas uma dupla de episódios estragados quase que unicamente pelo rumo que os roteiros estão dando à saga. Francamente, seria mais fácil suportar Katherine McNamara se ela tivesse bons diálogos… E se Ed Decter não estivesse firmemente engajado em transformar a série em uma novela emo para adolescentes.
Reviradas de olhos: 116 (contando os dois episódios)
Shadowhunters 1X08 e 9: Bad Blood / Rise Up (EUA, 2016)
Direção: Jeremiah S. Chechik / J. Miller Tobin
Roteiro: Allison Rymer / Hollie Overton
Elenco: Katherine McNamara, Dominic Sherwood, Alberto Rosende, Matthew Daddario, Emeraude Toubia, Isaiah Mustafa, Harry Shum Jr., Alan Van Sprang, Maxim Roy, David Castro, Jon Cor, Stephanie Bennett, Kaitlyn Leeb, Nicola Correia-Damude, Paulino Nunes, Jade Hassouné
Duração: 42 min. (cada episódio)