Home LiteraturaBiografia/Diário/Crônica Crítica | Sex and The City, de Candace Bushnell

Crítica | Sex and The City, de Candace Bushnell

O livro de crônicas sobre relacionamentos amorosos em Nova Iorque.

por Leonardo Campos
347 views

Ler Sex and The City, de Candace Bushnell, é como se entregar ao manancial literário de Stephen King no campo dos romances, isto é, a constatação de ideias preambulares que ficam bem melhores quando adaptadas para outros suportes. Fragmentadas e pouco envolventes, as histórias que atravessam as 292 páginas do livro que reúne uma série de crônicas da escritora, publicadas anteriormente num jornal novaiorquino, demonstram que a carreira da autora não teria avançado tanto ao longo das décadas se Darren Star não tivesse criado a série veiculada pela HBO, programa em seis temporadas que se tornou um material de culto para muitos espectadores contemporâneos, inclusive quem vos escreve. Parte integrante do que a crítica literária classificou como chick-lit, termo que pessoalmente, acho um tanto pejorativo, tipo de literatura que retrata a vida das mulheres modernas, com estruturas organizadas por meio de histórias leves, repletas de toques generosos de humor, focada nas emoções e nos relacionamentos das personagens em suas situações cotidianas. Aqui, o foco é na elite da badalada cidade estadunidense: ricos, celebridades e pessoas bem-sucedidas profissionalmente se encontram pelas boates, bares e festas agitadas, todos em busca de algo que parecem não saber exatamente o que é, mas que se demonstra quase impossível de se alcançar.

O que é a vida ideal? Um emprego que pague o suficiente para luxar, apartamento próprio e bem localizado na cidade, dinheiro para jantares e baladas sofisticadas, reserva para momentos de recessão e cartão de crédito com limite alto para consumir maquiagem, sapatos e roupas de grife. Neste processo de consumo numa sociedade frenética e em constante mudança, há aqueles que acreditam no amor, outros, preferem aceitar que não há mais possibilidade de se estabelecer um romance e o ideal é se relacionar sexualmente em busca de prazeres mais passageiros. Este é o universo de Sex and The City na literatura: mulheres são pressionadas a manter a imagem intacta, como se a juventude fosse eterna; homens tóxicos alérgicos aos relacionamentos mais intimistas, buscam por modelos que satisfaçam as suas fantasias e o mantenha mapeados nos eventos sociais; acometidos pela necessidade de preservativo num contexto pós-HIV, a falta de “contato”, o tal pele na pele, é considerado prejudicial para os mais românticos. Além disso, na caótica edição dos textos de Candace Bushnell, algo que aparentemente perdeu impacto na transformação em livro, as mulheres precisam desesperadamente de homens endinheirados.

Não precisa, necessariamente, ser o cabeça-branca de uma das músicas populares brasileiras recentes, mas é preciso ter um bom posicionamento para o alpinismo social. O dinheiro tilinta em Sex and The City, por isso, se um personagem não possui ao menos uma linha de crédito para se inserir nas badalações constantes de cada um dos 27 capítulos, ele provavelmente será alijado da história. Como dito, nem todas as mulheres aqui buscam um sugar daddy, mas querem se relacionar, ao menos, com homens que tenham uma quantidade acima do razoável de dígitos na conta bancária, de preferência, devidamente dotados fisicamente (virilidade e tamanho), bem como desempenho sexual que permita as damas, atingirem o desejado orgasmo, habilidade que nem todos os rapazes parecem ter, afobados, tal como o tempo histórico em que vivem. Samantha Jones, Mr. Big, Skipper, Stanford e Miranda são algumas das figuras ficcionais do universo televisivo que possuem presença no livro, mas com perfis físicos, sociais e psicológicos diferentes. Carrie Bradshaw, provável alter ego de Candace Bushnell, é a que mais se aproxima da série, haja vista as suas inseguranças, neuroses e cigarros fumados compulsivamente.

Na edição brasileira da Ed Bolso, o material de 1996 é traduzido por Celina Cavalcante Falck, eficiente na adequada adaptação de termos muito específicos da cultura estadunidense. O trabalho visual do design de Luciana Gobbo e Sério Carvalho emula o conteúdo do programa televisivo, com cores que fazem referências ao primeiro filme deste universo, lançado em 2008. Na capa, não há como dissociar a figura feminina estampada da silhueta de Carrie Bradshaw, interpretada com carisma e competência por Sarah Jessica Parker desde 1998. Ao radiografar a chamada Era da Não-Inocência em seus textos, Candace Bushnell faz uma análise ácida e impiedosa das relações num contexto muito específico, datado se olharmos algumas posturas e pensamentos de seus personagens, mas totalmente adaptável e compreensível para o leitor contemporâneo. Bares, madrugadas, drogas, obsessão por saltos Manolo Blahnik, taças com cosmopolitan e intermináveis maços de cigarro. Assim é a jornada das figuras ficcionais deste universo literário que questiona o conceito de amor e sua aplicabilidade numa sociedade de consumo com pessoas mais preocupadas com a moda e a imagem que pretendem transmitir para o “outro”, num constante jogo de atuações, um baile de máscaras a despencar vertiginosamente, antítese do romantismo que no século XIX, promoveu grandes clássicos.

Publicados no jornal The New York Observer, na década de 1990, os textos de Candace Bushnell foram inspirados pelas histórias que a escritora ouvia de suas amigas nas rodas de conversa que frequentava. Com sua primeira edição veiculada em 1987, pelo ex-banqueiro Arthur L. Carter, homem interessado nos negócios da área editorial, o jornal semanal em questão sempre saiu as quartas-feiras e tem como foco, delinear aspectos da cultura novaiorquina, notícias do meio imobiliário, política, mídias e celebridades, além da radiografia da cultura do entretenimento, pontos que podem ser contemplados em Sex and The City, tanto o livro quanto os filmes e a série. Em ação desde 1994 no jornal, Bushnell começou os seus textos após uma solicitação de seu editor, material que fez sucesso e acabou ganhando os desdobramentos que conhecemos, a alcançar a atualidade quase 30 anos após os rabiscos das primeiras linhas de suas crônicas. Como já mencionado, este é um bom material de base, mas nada além de “legal”. As histórias são agitadas demais, há pouca ou quase nenhuma evolução de personagens e a fragmentação das situações tornam o conteúdo longe do magnetismo esperado de um material que inspirou uma série tão interessante. Foi decepcionante ler e constatar que Sex and The City é um livro apenas básico. Ainda bem que temos outros meios de consumir este universo, não é mesmo?

Sex and The City (Estados Unidos, 1996)
Autor: Candace Bushnell
Tradução: Celina Cavalcante Falck
Editora no Brasil: BestBolso (2010)
Páginas: 293

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais