Home FilmesCríticas Crítica | Setembro 5

Crítica | Setembro 5

Tragédia e espetáculo.

por Luiz Santiago
25 views

Ao revisitar o trágico episódio que manchou os Jogos Olímpicos de 1972, Tim Fehlbaum adota uma perspectiva muito interessante: a de uma equipe de transmissão esportiva americana, confinada em um estúdio improvisado, enquanto a calamidade se desenrola a poucos metros. Setembro 5 sucede abordagens famosas desta tragédia, como o documentário de Kevin Macdonald (Munique, 1972: Um Dia em Setembro) e o drama de Steven Spielberg (Munique), mas se destaca por explorar, de forma intimista, a tensão e o dilema ético vivido pelos profissionais que, entre o dever de informar e a tentação de espetacularizar, se veem aprisionados num ambiente claustrofóbico, tendo que assumir uma responsabilidade maior do que esperavam. O isolamento do estúdio espelha a miopia da mídia diante de crises complexas, enquanto o diretor, através de um bom trabalho de câmera, ressalta o peso das decisões editoriais, complementadas por um trabalho sonoro que transita entre sussurros de produtores, estática de rádios e fitas, sons de diversos aparelhos ou mesmo o silêncio, intensificando a atmosfera de urgência.

Peter Sarsgaard, Leonie Benesch e John Magaro entregam performances incríveis aqui, imprimindo personalidade e intensidade dramatúrgica a cada cena. Em um momento particularmente marcante, o debate ético sobre transmitir o sequestro e seus desdobramentos mais graves (um possível assassinato na frente das câmeras) revela um texto carregado de seriedade e ironia — especialmente considerando que esta edição dos Jogos Olímpicos foi idealizada como um antídoto social aos horrores do nazismo, sendo transmitida em cores e via satélite para todo o mundo. O diretor acerta ao denunciar a voyeurização da tragédia, evidenciando como os produtores, em meio a negociações de vida ou morte, falavam de números de audiência, perda de patrocínio ou furo jornalístico. Todavia, a crítica se torna menos incisiva ao limitar-se a apontar apenas a lamentável atuação da polícia da Alemanha Ocidental, sem aprofundar o papel de outros atores sociais — os árabes, a dinâmica do conflito Israel-Palestina, as figuras políticas de diferentes países, as forças de inteligência ou a própria imprensa –, questões que, sem dúvida, continuarão a alimentar debates de defesa ou condenação à fita.

Até pouco depois da metade, o filme conquista pelo ritmo ágil e pela forma inteligente como utiliza o confinamento dos jornalistas para tensionar o drama. As cenas de construção das notícias, a meticulosa checagem de fatos e a tensão da transmissão ao vivo são momentos de destaque, mergulhando o espectador na urgência do ambiente. A decisão de intercalar imagens reais do massacre com a ficção, aliás, potencializa o impacto emocional, criando um válido diálogo entre história e representação. No entanto, a partir da chegada do ônibus que deve levar o grupo terrorista e os atletas sequestrados até o aeroporto, a narrativa perde parte de seu foco, diluindo a tensão acumulada e deixando o espectador com a sensação de que o filme perdeu a graça.

Setembro 5 transita entre o thriller socialmente engajado e o drama histórico que evita mergulhar em suas próprias contradições — opção que, reconheço, carrega o propósito imediatista do enredo. Seu brilho, contudo, está na forma. A direção de arte imersiva, a fotografia claustrofóbica, o desenho de som meticuloso e as atuações contidas, porém potentes, são os pilares que elevam a produção. O resultado é uma obra tecnicamente interessante, mas ambígua em seu cerne: fascina pela estética, mas vacila ao buscar densidade ideológica e emocional para o legado histórico que explora. Vemos, assim, a contradição entre a impotência midiática diante de horrores reais e a recorrência de narrativas que, mesmo sem intenção, glorificam certos agentes (aqui, a equipe da ABC). Essa abordagem nos faz entender que o Massacre de Munique permanece uma ferida aberta não pela falta de registros, mas pela profusão de superficialidades e disputas de narrativa. No último minuto, o diretor consegue deixar uma excelente trilha de discussão, mostrando que o fato, quando reduzido a espetáculo, deixa um gosto amargo para todo mundo com algum nível de consciência e humanidade. Já para os negociantes da tragédia, é só mais uma desculpa para um programa especial, para uma promoção pessoal, e para muito faturamento a partir de picos de audiência.

Setembro 5 (September 5) — Alemanha, EUA, 2024
Direção: Tim Fehlbaum
Roteiro: Moritz Binder, Tim Fehlbaum, Alex David
Elenco: Peter Sarsgaard, John Magaro, Ben Chaplin, Leonie Benesch, Zinedine Soualem, Georgina Rich, Corey Johnson, Marcus Rutherford, Daniel Adeosun, Benjamin Walker, Ferdinand Dörfler, Solomon Mousley, Caroline Ebner, Daniel Betts
Duração: 95 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais