- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
É sempre difícil acabar uma série com elementos fantásticos e sobrenaturais de maneira a agradar todo mundo, pelo que os eventos de Fallen muito provavelmente dividirão opiniões. No meu caso, tenho para mim que a escolha feita pela produção, ainda que não exatamente a única possível, foi inegavelmente a melhor, pois encerrou a série dando-lhe um movimento perfeitamente circular em relação à narrativa de origem de Leanne, ao mesmo tempo em que deu aos Turners uma chance de recomeço em outro lugar longe da mansão que acaba inteiramente destruída. Houve até mesmo espaço para aquela reviravolta “surpresa” no final em relação a Julian e seu papel agora para o futuro.
O melhor de Fallen é sua simplicidade narrativa que, temos que aceitar, combina bem toda a série até aqui. Apesar das súplicas de Leanne, Dorothy recusa-se a aceitar Jericho de volta, elegendo, muito sobriamente, a viver com a dor da tragédia que ela inadvertidamente ocasionou. Com isso, Leanne não vê mais saída que não seja seguir as instruções do tio George e dar um espetacular fim à sua vida, levando o assustador boneco Jericho e a moradia assombrada dos Turners com ela. Com isso, Dorothy finalmente retorna ao ponto de sua vida que seu subconsciente a fez esquecer e Leanne, que começou sua segunda vida no incêndio na casa dos seus pais, termina quase que exatamente da mesma forma.
Todos os mistérios foram respondidos? Certamente que não e eu não esperava ou mesmo queria que fossem. Aliás, essa mania que muitos têm de esperar tudo mastigado em seus mínimos detalhes é cansativa e um pouco preguiçosa, já que é muito mais interessante, como é o caso aqui, um encerramento que deixa pontas soltas e conclusões para serem tiradas por cada um. Coisas como “quem ou o que Leanne exatamente era” e “que poderes ela tinha, se é que tinha” permanecem enevoados, sem aquelas certezas absolutas que muitas vezes, no afã de explicar, acaba é estragando a atmosfera. O que realmente importa é a conversa final entre Dorothy e Leanne em que a repórter compreende o que ela é para Leanne e, de seu jeito, entrega-se também para a ex-babá, possivelmente vendo nela uma filha que nunca teve. Essa conexão familiar entre as duas é não só bonita, como acompanha o movimento circular da série, com as duas mulheres finalmente se aceitando mutuamente como elas são.
Achei também muito interessante e muito bem executado todo o processo de autoimolação de Leanne, a única real saída para o que ela, ao que tudo indica, havia se tornado. A dupla de diretores Veronika Franz e Severin Fiala conseguiu fazer do gigantesco incêndio um bonito, mas também doloroso ritual de purificação de Leanne e, lateralmente, também dos Turners, com o fogo sendo iniciado no primeiro andar e vagarosamente alcançando os demais, com Leanne inclusive tendo tempo de fazer uma meiga ligação para um Toby e, mais tarde, causando aflição extrema ao cortar seus braços e deixar as chamas consumi-la de maneira lenta e explícita.
Talvez o final de Dorothy e Sean tenha sido muito “bonitinho” demais, com os dois juntos, aparentemente felizes e pronto para recomeçar a vida em algum outro lugar, mas, considerando que Dorothy basicamente assumiu todos os seus pecados e procurou fazer de tudo, nos minutos finais, por Leanne, talvez seu fim mais idílico do que a série parecia pedir seja o melhor, especialmente considerando que, agora, Dorothy precisará viver com a consciência do que ela fez. Por outro lado, o final de Julian foi perfeitamente lógico, ainda que tenha me pegado de surpresa. Quando a policial Reyes, identificada como membra da Igreja dos Santos Menores, lembra que ele foi ressuscitado por Leanne e que, por isso, ele é também agora membro da Igreja e, mais do que isso, sucessor de Leanne e potencialmente com os mesmos poderes (o reflexo do mural dando-lhe “asas” é um indicativo claro de que ele é um “anjo”), a última peça se encaixa, trazendo uma reviravolta interessante que contribui para a manutenção dos mistérios.
Fallen fez o que era possível fazer sem trair a natureza mais discreta e autocontida que Servant sempre prezou – com algumas exceções aqui e ali, claro – e trouxe um encerramento de série que dialoga bem com toda a história da sinistra babá com poderes sobrenaturais. Mesmo que ele acabe não agradando todo mundo (que final de série consegue isso, não é mesmo?), o episódio foi direto ao ponto, fugiu de invencionices aleatórias e foi muito bem executado, entregando finais dignos e lógicos a todos os principais personagens. Um belo acerto!
Servant – 4X10: Fallen (EUA, 17 de março de 2023)
Direção: Veronika Franz, Severin Fiala
Roteiro: Laura Marks
Elenco: Lauren Ambrose, Toby Kebbell, Nell Tiger Free, Rupert Grint, Tony Revolori, Victoria Cartagena
Duração: 29 min.