- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Fazendo uma boa dobradinha com Tiger, Fish lida com a misteriosa elipse que foi usada de cliffhanger ao final do episódio anterior e que nos impediu de saber o que exatamente aconteceu com Leanne depois que ela foi pega no parque por seus dois perseguidores, retornando traumatizada e, ao que tudo indica, sangue no corpo. Diria que esse aqui deveria ter sido o capítulo que marca a metade da temporada, mas o fato de ele ser realmente pari passu com o precedente já cria essa boa impressão do conjunto, por assim dizer.
A revelação é enervante, diria, não só por ela em si, mas também pela ambiguidade com que tudo é abordado. Conforme aprendemos, Leanne foi perseguida por dois fieis de seu antigo culto que a querem de volta ou, no mínimo, fazê-la prestar contas por ter abandonado Ele, assim com inicial maiúscula como que indicando Deus ou uma entidade do mesmo porte. No entanto, diferente do que poderíamos imaginar – mas bem em linha com o que vinha sendo construído – os jovens sem-teto do parque são protetores de Leanne que matam seus perseguidores. Mais do que isso, eles revelam-se como dissidentes do culto anterior que passam a seguir ninguém menos do que a própria babá, indicando que ela teria conseguido abandonar Ele sem sofrer consequências.
Interessante, não? Inadvertidamente, Leanne parece ter virado o jogo e, mesmo sem conscientemente escolher esse caminho, ela parece ter se tornado uma líder religiosa, o que deve amplificar os conflitos com seu culto anterior. Mas, mais do que isso, o uso de Ele e a menção ao distanciamento d’Ele, se por acaso Ele significar mesmo Deus ou outra divindade em tese do bem, será que o afastamento da jovem não significa que ela, agora, aproximou-se do Diabo ou qualquer entidade equivalente? Afinal, ela diz muito claramente a Sean que não foi Deus que trouxe Jericho de volta, o que, claro, também pode ser compreendido de maneira dúbia, ambígua, como um jogo de palavras, ainda que Leanne não seja dada a esse tipo de abordagem mais complexa.
Com isso, não podemos exatamente dizer que Fish avançou na resolução de seus mistérios, pois, não avançou mesmo, mas, em termos de desenvolvimento narrativo, ele sem dúvida foi um episódio importante para reposicionar Leanne, mudando a ótica que tínhamos dela. E esse abrir de olhos sobre a potencial natureza da babá é acompanhada pela descoberta de parte do que aconteceu por Dorothy e, mais significativamente, em razão da oferta televisiva feita a Sean, da realização pela matriarca de que ela mesmo não se lembra de uma época importante em sua vida. O caminho para que Dorothy comece a montar o quebra-cabeças do que realmente aconteceu com Jericho foi pavimentado, diria.
Gostei também da paralelização dos flashbacks sobre Leanne com o estranhíssimo jantar que os Turners oferecem à Nancy (Carmen M. Herlihy), a ministra da igreja recém-adotada por Sean em sua redescoberta da fé. A animosidade em relação a ela por Leanne, que aparentemente enxerga muito claramente seu passado pecaminoso, Dorothy, que armou tudo justamente para destruir a mulher, com seu plano dando certo por razões fora de seu controle e, claro, Julian, um debochado e completo babaca que não tem dó com ninguém a não ser a própria irmã. E, obviamente, a cereja nesse bolo é o jantar que Sean tenta transformar em um evento, mas falha miseravelmente, com gafes atrás de gafes.
No final das contas, Fish consegue não só ser um ótimo episódio por seus próprios méritos, como ele também tem a rara qualidade de elevar o nível do anterior, criando uma bela de uma impressão de conjunto que marca a metade da penúltima temporada da série. Confesso, porém, que não vejo muito mais coisa relevante acontecendo até no mínimo o novo capítulo dado o passo costumeiramente lento e atmosférico da série que, porém, mesmo com altos e baixos, tem valido a pena.
Servant – 3X06: Fish (EUA – 25 de fevereiro de 2022)
Criação e showrunner: Tony Basgallop
Direção: Kitty Green
Roteiro: Amy Louise Johnson
Elenco: Toby Kebbell, Lauren Ambrose, Nell Tiger Free, Rupert Grint, Sunita Mani, Carmen M. Herlihy
Duração: 30 min.
