- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Servant é uma série que vem crescendo para mim. Começou estranha e claudicantemente em sua primeira temporada, mas não demorou e a segunda logo fez a criação de Tony Basgallop deslanchar, mesmo que em pequenos e até discretos incrementos, mas sempre resoluta e fielmente presa às suas auto impostas premissas de manutenção de um elenco diminuto confinado quase que de maneira buñuelesca a um luxuoso sobrado na Filadélfia. Em poucas palavras, é uma série que consegue fazer muito com muito pouco, marca clássica de grandes obras de horror.
Com sua renovação para a quarta – e ainda bem última, pois o melhor que Basgallop faz é acabar quando a série precisa acabar – temporada, vindo antes de a terceira ir ao ar e com o anúncio de que o produtor executivo M. Night Shyamalan seria o diretor do primeiro episódio, Donkey era a certeza de um grande começo do fim. E, de fato, é isso que o episódio é. Como sempre, a simplicidade impera, com um pulo temporal de três meses após os eventos da temporada anterior que apresentam os Turners felizes da vida com o bebê, como se nada estranho tivesse acontecido antes, mas com a babá Leanne completamente paranoica, em uma interessante inversão da lógica da série.
O medo de Leanne de ser achada por seu culto é gigantesco e palpável, com a jovem sequer conseguindo sair de casa para ir ao parque. E, espertamente, o roteiro de Ryan Scott arruma um jeito descomplicado de deixá-la sozinha no sobrado, de forma que sua paranoia possa ser amplificada ao máximo, com Shyamalan muito claramente colocando sua experiência de cineasta para criar tensão e suspense em cada som, em cada sequência, com a chegada do suposto ladrão materializando todo o pavor de Leanne. Aliás, demoramos a registrar e a efetivamente compreender o momento em que do nada vemos o ladrão remexendo o quarto do casal. Parece fruto da mente obcecada de Leanne nos primeiros segundos, mas a ficha logo cai e percebemos que aquilo ali está mesmo acontecendo.
Todo o desenrolar a partir desse ponto é frenético, tenso e magistralmente bem orquestrado – menos o FaceTime com Sean dentro do armário, pois a lógica disso, bem ao lado do ladrão, é zero, mas fechemos os olhos e aceitemos pelo bem do episódio -, com uma resolução fácil e até anticlimática que nos deixa propositalmente com dúvida se o que aconteceu foi uma “prosaica” tentativa de furto ou se o sujeito com quem Leanne esbarra é um dos membros de seu culto. Afinal, tudo aponta para a primeira hipótese, com exceção de sua adaga desaparecida.
Mas o lado sobrenatural da coisa toda também não fica atrás. Nos momentos que antecedem a chegada do ladrão, vemos as mariposas no quarto de Leanne, ela tentando revivê-las com seu “poder” e falhando, em seguida colecionando-as no armário do banheiro, e, depois, seu momento mediúnico em que ela prevê – ou será que ela faz acontecer? – o ataque de pássaros a Julian na praia congelante de Nova Jersey (quem é que vai passear na praia com esse frio, hein?) diante do buraco enlameado do porão dos Turners, uma verdadeira ferida aberta e que se recusa a fechar bem ali no coração da vida do casal.
Em termos narrativos, Donkey faz o que todo episódio inicial de temporada é obrigado a fazer e apresenta o novos status quo. Nada mudou tão absurdamente, mas a inversão dos problemas mentais que migram de Dorothy para Leanne é uma jogada inteligente que reposiciona as peças no tabuleiro e transformam a babá, antes a encarnação da ambiguidade, em potencial vítima de seu culto, o que apontam para um final, mesmo que ainda 19 episódios no futuro. E, de pouquinho em pouquinho, Servant vai criando um microcosmo claustrofóbico e desesperador que Shyamalan, aqui, usa como sua tela para criar um dos mais assustadores episódios da série até agora. Será um sinal do nível do que está por vir?
Servant – 3X01: Donkey (EUA – 21 de janeiro de 2022)
Criação e showrunner: Tony Basgallop
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: Ryan Scott
Elenco: Toby Kebbell, Lauren Ambrose, Nell Tiger Free, Rupert Grint, Sunita Mani
Duração: 35 min.