- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
A Indústria do Audiovisual sempre foi um espaço usado para um pouco de nepotismo benigno. Há clãs inteiros que se firmaram em Hollywood como o dos Barrymores começando ainda no teatro e chegando até Francis Ford Coppola, famoso, para além de seus filmes, por empregar basicamente sua família inteira, revelando grandes nomes no processo. Faz parte do jogo e, agora, parece ser a vez de M. Night Shyamalan que, na qualidade de produtor executivo (não showrunner e sequer criador como a publicidade teima em dar a entender) de Servant, deu uma chance à sua filha Ishana Night Shyamalan para debutar na direção, depois de trabalhar como operadora de boom e como diretora de segunda unidade em obras ainda não lançadas (uma delas o aguardado Old de, sim, você acertou, Papai Shyamalan).
Em Pizza, Ishana não arrisca e segue a fórmula antes estabelecida na série que, se é perfeita para diretores ousarem, também serve para outros ficarem em sua zona de conforto, algo perfeitamente aceitável considerando-se que é sua estreia na cadeira. E é o que ela faz. A casa dos Turners é o centro do mundo do episódio como de praxe e, aqui, com exceção do gigantesco buraco no subsolo que Julian precisa atravessar para pegar mais vinho, ela parece um lugar normal, como outro qualquer e não exatamente uma mansão de mal-assombrada. É que, aqui, o roteiro de Nina Braddock e Tony Basgallop lida com uma história essencialmente externa, o que Ishana usa como oportunidade para trabalhar câmeras na mão e imagens por meio de telas, especialmente o ótimo espelhamento na televisão da sala (que nunca funcionou comigo e eu já começo a achar que é ficção científica…). Sai um pouco da claustrofobia inata da narrativa e retornam as tomadas externas vistas a partir do interior da casa.
A história, porém, pareceu-me um tanto quanto artificial, com Dorothy, em sua investigação pelo paradeiro de Jericho e/ou Leanna, encasquetando com uma mansão que parece fazer muitos pedidos de entrega de comida. Para conseguir driblar a segurança, então, ela, seu marido e seu irmão bolam uma estratégia de instantaneamente criar um serviço de entrega de pizzas – genialmente batizado por Julian de Cheesus Crust – com direito a fabricação de cardápios em formato de folheto, telefone e a efetivamente fabricação da guloseima de forma a tornar possível que um deles entre na casa. E esse “um deles” acaba sendo o desavisado Tobe que, convenientemente, retorna à série com essa função específica, o que resulta em seu encontro com Leanne e uma reviravolta surpresa, com Dorothy secretamente envenenando a pizza. A artificialidade de toda essa construção não vem de Leanne estar ali na casa ou mesmo de o truque de Dorothy funcionar, mas sim de todo o aparato de entregas de pizza que a família faz surgir do nada, algo que é agravado por uma montagem que dá pouquíssima impressão de dilação temporal.
Mas a execução da premissa no estilo found footage é bem orquestrada pela diretora que, mesmo sofrendo com a montagem, consegue criar bons e bizarros momentos, como quando Tobe dá de cara com Leanne no corredor e, ao ir atrás dela, encontra uma pessoa gravemente doente que, sem hesitar, faz o pagamento da encomenda de 20 pizzas como se fosse a coisa mais comum do mundo o entregador entrar no local livremente, como se morador fosse. É tão estranho e tão agoniante, especialmente considerando que estamos falando de um inocente útil como Tobe sendo usado sem dó pelos Turners, que o resultado consegue ser bastante satisfatório mesmo que tenhamos que aceitar, com uma certa força de vontade, toda a invenção instantânea do serviço de entregas. Além disso, os flashbacks para a gravidez de Dorothy, apesar de não particularmente esclarecedores de muito mais do que já sabemos, ajuda um pouco na quebra da história principal, dando um pouco mais de estofo ao passado do casal.
Servant continua seu caminho certeiro pela estranheza, ainda que os artifícios narrativos tenham começado a mostrar-se mais salientes do que a trama em si, parecendo que Basgallop está, no momento, enrolando para chegar ao ponto de forma a justificar múltiplas temporadas. Seja como for, agora Shyamalan (o M. Night) tem mais uma razão para orgulhar-se da filha e, quem sabe, soltá-la para seguir seu próprio caminho no audiovisual como Sofia Coppola conseguiu.
Servant – 2X03: Pizza (EUA – 29 de janeiro de 2021)
Criação e showrunner: Tony Basgallop
Direção: Ishana Night Shyamalan
Roteiro: Nina Braddock, Tony Basgallop
Elenco: Toby Kebbell, Lauren Ambrose, Nell Tiger Free, Rupert Grint, Jerrika Hinton, Phillip James Brannon, Tony Revolori
Duração: 26 min.