“Olha lá se eu vou ser crente!?”
Da minha lista de filmes nacionais mais aguardados desse ano, Serial Kelly estava no pódio, e isso porque apresenta muitos elementos que me agradam bastante, como a carismática Gaby Amarantos de protagonista ou a ideia promissora envolvendo uma cantora de forró eletrônico / brega pop viajando pelo interior do nordeste brasileiro enquanto despista uma agente policial que a investiga por diversos assassinatos. Com direção de René Guerra, o filme é carregado de temas e subtramas capazes de render facilmente uma série, mas quando falamos de cinema, todos esses aspectos precisam ser contidos de forma um pouco mais concisa, podendo abordar os tópicos mais complexos possíveis, contando que tenha uma boa execução.
Serial Kelly tenta de tudo, utiliza a protagonista como veículo para debater a hipocrisia e moralismo social, explora desde vícios, sexo e violência, até fé e identidade – uns debates melhor articulados que outros. É uma mescla de thriller policial com comédia e drama carregado de crítica social, combinação que acaba sendo um dos triunfos da obra, embora não compense outros aspectos que vamos explorar a seguir, como o ritmo e as atuações. Algumas são caricatas e procuram representar um tipo de arquétipo, como acontece na dinâmica entre a personagem de Paula Cohen, interpretando uma chefe de polícia durona, lidando com seus agentes homens incapazes de aceitar ordens de uma mulher.
Paralelo à algumas atuações mais “óbvias” – não a de Cohen, ela está ótima, o parágrafo anterior era voltado para quem contracena com ela -, a obra tenta tecer um debate sério sobre sua sociedade patriarcal e a disparidade de gênero no ambiente da instituição policial, mas isso se perde no caminho por conta de um enredo e montagem tímidos, que alternam entre presente e passado, mas faz isso de maneira tão explícita que torna-se algo repetitivo, ainda mais considerando que a obra começa com um flash forward, limitando diversas interpretações possíveis, e a estrutura geral parece um filme partindo do terceiro ato para assistirmos a jornada de autodescoberta da protagonista, o que seria ao menos intrigante se não fosse outro problema do longa: usar a protagonista para movimentar trama e servir de agente do caos em diversas situações, mas com pouco desenvolvimento real na personagem além de sua inevitável ruína.
Ainda assim, há muito para se aproveitar em Serial Kelly, sendo o mais evidente a atuação de Gaby Amarantos, cheia de charme, carisma e talento musical, necessário para as várias sequências de música do longa, com destaque para uma criativa versão nacional brega para a música Psycho Killer, da banda Talking Heads, o que além de divertido, casa bem com a proposta da obra. E aqui fica um questionamento que não interfere na qualidade do longa de maneira alguma, mas me questiono se um filme com um título e premissa desses não deveria ter sido um musical. É claro que há música, várias, mas o filme não segue o formato musical. Não que seja obrigatório, mas talvez teria sido no mínimo interessante transformar a história de uma cantora serial killer em uma jornada mais absurda e surreal, considerando que o próprio filme traz alguns segmentos mais oníricos, principalmente quando a personagem encontra alguns “vagantes” em seu caminho. Porém, essa não é a intenção da obra, então não irei julgá-la pelo que não se propôs.
Serial Kelly coloca Gaby Amarantos em destaque, um enorme acerto, ao lado do trabalho de som e direção de arte caprichados, embora contrastem com uma montagem e enredo sem o mesmo brilho. Ainda assim, é uma boa pedida para quem procura um thriller policial com boas músicas, humor irreverente e uma protagonista carismática.
Serial Kelly — Brasil, 2022
Direção: Rene Guerra
Roteiro: Rene Guerra, Marcelo Caetano
Elenco: Gaby Amarantos, Paula Cohen, Igor de Araújo, Marcio Fecher, Thomas Aquino, Thardelly Lima
Duração: 80 min.