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Crítica | Sereia Predadora

por Leonardo Campos
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Não fosse pelo canto e por algumas características predatórias, a criatura alada de Sereia Predadora, terror de baixo orçamento lançado em 2016, não seria exatamente uma sereia tal como conhecemos, figuras com imagem feminina que é metade mulher e metade peixe, tendo como uma de suas características, o famoso canto sedutor que atrai os homens para a “morte”. Para quem não sabe, no canto XII da Odisseia, poema de Homero, largamente utilizado na cultura popular contemporânea, a deusa Circe orienta Ulisses em sua travessia de volta para casa, contando-lhe que é preciso muita cautela para atravessar determinada passagem do mar grego dominado por Poseidon, deus que amaldiçoou o herói de Troia depois que este o desrespeitou após ter vencido a batalha contra os troianos. Ciente dos perigos, o herói segue a sua viagem e pede aos demais tripulantes que resistam ao canto e o amarrem no mastro da embarcação, pois assim conseguirá controlar tal poder oriundo das vozes sedutoras que se revelam “criaturas maléficas”.

Tal digressão ao poema da Antiguidade Clássica nos é interessante, caro leitor, para que possamos entender a simbologia do canto das sereias, algo que não é puramente voltado ao tom fabuloso do cantou, encantou, seduziu e devorou, como podemos observar em muitas histórias da cultura pop. A sereia canta no poema para atrair Ulisses e lhe ofertar conhecimento sem fim, do passado e do presente, algo que salvaguardadas as devidas proporções, é o que a internet (leia-se Google), nos oferta hoje. Assim, paro a minha digressão por aqui, para evitar dispersões. A ideia era mesmo ilustrar o quão a questão do canto permeia a nossa cultura e possui mais complexidade que a nossa trivial imaginação. Sob a direção de Gregg Bishop, cineasta guiado pelo roteiro de David Bruckner, Luke Piotrowski e Ben Collins, Sereia Predadora é uma extensão do curta-metragem Amateur Night, primeiro segmento da antologia de horror V/H/S, lançada em 2012. Em seu texto expandido, o filme não pretende esmiuçar explicações e situações exóticas. Apenas expõe.

Para o público que gosta de tudo amarrado e delineado, com um roteiro dando as motivações e conceitos para cada coisa, a experiência pode ser decepcionante. Na trama, temos o jovem Jonah (Chase Williams), noivo de Eva (Lindsey Garret), prestes a se entregar ao ritual de matrimônio. Antes disso, no entanto, ele é levado por Mac (Michael Aaron Milligan) para a sua despedida de solteiro, acompanhado de mais dois amigos, Rand (Hayes Mercure) e Elliot (Randy McDowell), todos empenhados em curtir uma noitada de bebedeira, festa, mulheres e talvez, algumas rodadas de sexo. Ao chegar numa boate, eles encontram um homem exótico que fornece a indicação mais esperada: um clube peculiar numa região próxima. Com a ansiedade de curtir a noite que supostamente será a última de sua vida no quesito badalação sem supervisão da esposa, Jonah e os demais seguem para este local e logo de cara, sentem a estranheza do espaço, em especial, na figura de Lily (Hannah Fierman), jovem que parece algo que eles descobrirão não ser.

Ela é um monstro. As circunstâncias que apresentam a sua chegada ao local são apresentadas na abertura, diferente do que esperamos sobre uma sereia, mas salvaguardadas as devidas proporções, isso é o que menos importa. Ela é estranha, usa o canto para seduzir e matar, então não precisamos resistir ao processo de associação exata da garota monstro com a mitologia massificada que gostamos e conhecemos. Sua natureza, muito sexual, coloca a todos que deveriam ser resistentes diante de sua fúria sanguinária. E será esse o mote para acompanharmos a jornada dos quatro rapazes e das diversas subtramas que aparecem ao longo dos 82 minutos deste horror que inevitavelmente nos faz lembrar a atmosfera estética e dramática de Olhos Famintos, em especial, o seu desfecho inesperado. A luta desse grupo contra Lily é o equivalente ao embate dos homens contra as sereias homéricas, dispostas a naufragar a embarcação e impedir que Ulisses retorne para a sua paciente Penélope. Aqui, Jonah precisa lutar para conseguir voltar para casa e consumar o seu casamento com a amada Eva, todos nomes simbólicos, observe.

Ademais, consumir Sereia Predadora é se entregar a uma experiência estética eficiente para os padrões orçamentários dos realizadores. Na direção de fotografia, George Feucht entrega um trabalho escuro, sombrio, com feixes de luz de compensação e contraluz para esconder ao máximo a presença do monstro em locais inesperados, dando ao filme uma atmosfera de tensão conduzida musicalmente por Kristopher Carter, autor da textura percussiva climática, envolvente, em suma, adequada. No design de produção, Boontawee Thor entrega um trabalho também convincente, do cenário aos adereços da direção de arte, também supervisionando os figurinos de Richard Taweepasas, adequados na representação dos personagens. Os efeitos visuais também conferem credibilidade ao filme, setor supervisionado por Erick Geyler, muito bom na criação dos aparatos para tornam Lily uma ameaça realmente assustadora, só menos impactante pela falta de maior qualidade na construção dos diálogos e no aproveitamento da temática sombria do roteiro.

Sereia Predadora (Siren) – Estados Unidos, 2016.
Direção: Gregg Bishop
Roteiro: Luke Piotrowski, Ben Collins
Elenco: Chase Williamson, Hannah Fierman, Justin Welborn, Hayes Mercure, Michael Aaron Milligan, Brittany Hall, Randy McDowell, Lindsey Garrett, Stephen Caudill, Ava Atwood, Patrick Wood, Angel Jager, Blair Redford
Duração: 82 min.

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