O sequestro de ou ataques a aviões comerciais são dois dos tropos audiovisuais com mais potencial de causar tensão. Já era assim muito antes do 9/11 com, por exemplo, os filmes-desastre da franquia Aeroporto e ficou muito pior depois do trágico ato terrorista de 2001, ainda que o assunto em si tenha compreensivelmente se tornado um tabu por muito tempo. Sequestro no Ar, minissérie coproduzida pelos EUA e Reino Unido para o Apple TV+ vem para, de certa forma, reviver o subgênero reunindo a premissa clássica do sequestro de uma aeronave civil com mais de 200 passageiros com a presença de um negociador astuto que luta para evitar o pior e uma estrutura mais ou menos em tempo real, no estilo 24 Horas, só que bem mais elegante e realista, que acompanha as sete horas de angústia em espaço confinado ao longo de sete episódios.
O negociador em questão é Sam Nelson (Idris Elba), que realmente tem essa profissão, só que no mundo empresarial. Ele é um passageiro da primeira classe que embarca em Dubai em um voo para Londres com a esperança de reconectar-se com sua esposa Marsha (Christine Adams) e é o primeiro a detectar que algo está errado quando a descoberta de uma adolescente no banheiro da aeronave precipita o início do sequestro e também o primeiro – e único, muito sinceramente – a tentar estratégias que não sejam apenas responder ou violentamente ou silenciosamente. Sam é, também, o único personagem realmente completo, por assim dizer, ainda que seu arco seja ditado pela urgência das circunstâncias apenas, algo que acaba sendo natural em uma obra que precisa trafegar entre centenas passageiros e um punhado de sequestradores em um primeiro momento e, depois, entre todos eles e a ação em terra, notadamente envolvendo controladores de voo (com destaque para Alice, vivida por Eve Myles, que é a contrapartida do protagonista, ou seja, a única que mantem a cabeça fria), políticos que precisam tomar decisões importantes de vida ou morte, mas nem sempre pelas razões certas, e, claro, a família do protagonista, que inclui seu filho Kai (Jude Cudjoe) e o atual namorado de sua esposa Daniel (Max Beesley), que é detetive de polícia.
No lugar de seguir o ritmo normal de obras do gênero, em que primeiro aprendemos sobre personagens ou grupos de personagens antes de os problemas começarem, Sequestro no Ar não perde tempo em colocar todas as engrenagens em movimento, o que funciona de imediato para prender a atenção do espectador e que é amplificado pela maneira estranha, quase críptica, como as coisas vão acontecendo. Há pouquíssima informação sobre o como e o porquê de tudo o que ocorre no ar, com a narrativa caminhando nervosa, mas lentamente em frente com o claro objetivo de causar ansiedade em quem assiste, inclusive e talvez especialmente no que diz respeito aos próprios sequestradores que de forma alguma agem ou se encaixam naquilo no perfil esperado.
Quando eu uso o advérbio de modo “lentamente”, não quero de forma alguma dar a entender que a série é devagar. Muito ao contrário, os roteiros e os trabalhos de direção estabelecem tensão de imediato e apresentam situações novas o suficiente para tornar cada episódio relevante, sem que nada realmente seja muito artificial. Aliás, é muito interessante como ninguém, nem mesmo o protagonista, é um super-herói ou um sabe-tudo ou, também, completamente vilanesco (ok, tem uma pessoa que é, mas em terra apenas). Quando há situações clássicas de ação, como lutas no avião, elas são difíceis, atrapalhadas, sem coreografia definível e com a câmera quase sempre “participando” das altercações, tudo para criar um bem-vindo grau de realismo cinematográfico que torna tudo mais visceral e relacionável com aquilo que imaginamos que poderia mesmo acontecer. Sam, apesar de ser apresentado como um bem-sucedido profissional, não tem uma caracterização hiperbólica que o torna invencível. Muito ao contrário, ele é frágil e humano, algo que sua relação distante, mas esperançosa com a ex-esposa já deixa evidente, com os roteiros entregando textos ao ator que mantêm ambíguas suas atitudes e decisões, algo que Idris Elba faz muito bem.
Mas nem sempre tudo funciona a contento. Toda a narrativa paralela em Dubai que envolve uma mulher que verifica o conteúdo das bagagens na esteira de raio-x e um controlador de voo é longa e detalhada demais e acaba frustrando por não levar a absolutamente lugar algum, mais parecendo um filler com o objetivo de fazer com que os episódios cheguem à duração regulamentar. Por outro lado, o aspecto burocrático e político em Londres é estranhamente ágil demais a ponto de ser raso e, diversas vezes, exageradamente conveniente, com embates ao redor de uma mesa cada vez mais cheia de gente que apenas de muito longe resvalam em questões relevantes. Por último, e aqui serei enigmático para evitar spoilers, achei simplista demais a conclusão sobre o lado puramente vilanesco da história, que merecia ter ganhado desdobramentos mais satisfatórios.
No entanto, mesmo com seus problemas, Sequestro no Ar faz ótimo uso da estrutura de minissérie e de Idris Elba no protagonismo. A história é simples, mas naturalmente interessante e tensa, ainda que o que realmente mantenha a obra de pé seja a conjunção da ótima cadeia de eventos com um bom grau de realismo e o mais do que convincente trabalho dramático do ator e DJ britânico, não necessariamente nessa ordem, claro.
Obs: Apesar de eu classificar Sequestro no Ar como uma minissérie, não descartaria a hipótese de ela ser transformada em série, como é bastante comum acontecer, infelizmente, até porque na própria sinopse do último episódio, o Apple TV+ assinala que é “final de temporada” não de série. No entanto, a história contada nos sete episódios tem começo, meio e fim, sem nenhum gancho explícito ou necessário para eventos futuros.
Sequestro no Ar (Hijack – EUA/Reino Unido, 28 de junho a 02 de agosto de 2023)
Criação: George Kay, Jim Field Smith
Direção: Jim Field Smith, Mo Ali
Roteiro: George Kay, Adam Gyngell, Fred Fernandez Armesto, Kam Odedra, Anna-Maria Ssemuyaba, Catherine Moulton
Elenco: Idris Elba, Neil Maskell, Christine Adams, Max Beesley, Ben Miles, Kaisa Hammarlund, Zora Bishop, Jeremy Ang Jones, Kate Phillips, Jasper Britton, Jack McMullen, Aimée Kelly, Mohamed Elsandel, Eve Myles, Archie Panjabi, Hattie Morahan, Neil Stuke, Harry Michell, Mohammad Faisal Mostafa, Holly Aird, Fatima Adoum, Nebras Jamali, Nikkita Chadha, Antonia Salib, Gretchen Egolf, Lucia Aliu, Mei Henri, Chantelle Alle, Alex Macqueen, Simon McBurney, Jude Cudjoe
Duração: 331 min. (sete episódios)