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Crítica | Sem Novidade no Front (Nada de Novo no Front)

por Luiz Santiago
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Erich Maria Remarque lutou nas trincheiras da 1ª Guerra Mundial. Aos 18 anos, o jovem soldado já convivia com o dilema que o incomodaria parte da vida e que o inspirou a escrever Nada de Novo no Front (1929), obra que Lewis Milestone brilhantemente adaptou para o cinema em 1930.

Tanto o livro quanto o filme possuem uma mensagem crítica em relação à guerra envolvendo questões existenciais, psicológicas, filosóficas, sociológicas e ideológicas, passando sua mensagem antibelicista através de um questionamento para o evento da guerra em si, seu sentido para além do óbvio — em dado momento da fita um soldado pergunta algo mais ou menos assim: como um país ofende ao outro? Uma montanha consegue ofender uma planície? — e as consequências fora do campo estatístico e puramente factual.

Milestone consegue fazer algo que Asas, outro filme sobre a Primeira Guerra lançado três anos antes não fizera — e nem tinha a proposta de fazer — que é realizar o espetáculo, a emoção e a reflexão em diversos campos da razão humana. O público fica emocionado, enojado, feliz e questionador à medida que as cenas se passam, a guerra avança e as mortes acontecem. Sem se preocupar com a exploração da violência na grande tela e de criticar ferrenhamente os apaixonados envolvimentos patriotas, especialmente aqueles doutrinários, que pregam o valor e a honra de dar a vida por um Estado que sequer memória de sua existência lhe dará, Milestone toca em uma ferida seminal da humanidade, algo cuja resposta está na “aurora do homem” (lembrem-se da guerra entre primatas de 2001: Uma Odisseia no Espaço) e que provavelmente o acompanhará até a sua extinção: o desejo de conquistar a qualquer custo, de querer ter mais poder e ser reconhecido por isso.

Mas esta conclusão não está no filme. Ela vem como uma bola de neve a partir dos toques pessoais que vemos no longa, da passagem das tropas alemãs pela pequena cidade, do discurso apaixonado do professor incitando seus jovens alunos a se alistarem, até o desolador resultado ao qual esses meninos serão expostos desde o momento de seu treinamento. A cobrança social, o valor da ação individual em se engajar pela causa de sua Nação, as patentes como prêmios de sobrevivência, a importância ideológica do ato de ser soldado, tudo isso ganha espaço no filme e é pontualmente espicaçado à medida que os jovens amadurecem e se desgostam da vida, rejeitando a paz. Há uma bela sequência onde o personagem de Lew Ayres volta para casa e se dá conta de que aquele lugar não lhe pertence mais. Estar com a mãe, o pai e fora do campo de batalha era, para ele, um martírio. O seu lugar era nas trincheiras, de frente com a morte. Como se a ida para a guerra fosse uma maldição da qual o soldado jamais pudesse se livrar, a não ser que morresse.

Há um grande número de indicações da guerra como prisão ao longo do filme. A fotografia de Arthur Edeson e Karl Freund foi pensada justamente para dar essa impressão ao espectador e eles conseguem isso através de posições engenhosas da câmera dentro dos cenários e se beneficiam do irreparável desenho de produção que faz uma das mais notáveis reconstruções das trincheiras da Primeira Guerra que o cinema já viu. Glória Feita de Sangue também pode ser adicionado à esta lista, mas Sem Novidade no Front tem uma proposta diferente, o espetáculo da guerra é mais cru, mais mecânico e menos comportamental/institucional, se comparado ao esplendoroso exercício de Kubrick.

O espetáculo aqui é a guerra pela guerra e, a partir dela, as consequências da desconstrução do ser humano. O governo, as ordens, as instituições, tudo isso parece longe demais. Os valores aqui são “oficiosos”, “populares”. O peso e o medo da palavra “covarde” move os jovens a caminharem para a morte. Não é preciso ordem oficial. Temos em cena um forte idealismo e a sua desconstrução. Os personagens de Remarque/Milestone são/estão alienados. Eles sequer tem acesso ou ciência do caminho hierárquico que os levou para morrer.

As cenas de batalha que começam por volta dos 40 minutos e voltam constantemente no restante do filme são de tirar o fôlego. Os bombardeios, as mortes, as metáforas visuais, as belíssimas composições noturnas (grande destaque da fotografia, por sinal) e o final impiedoso e frio são os maiores exemplos de que Nada de Novo no Front é um filme tecnicamente à frente de seu tempo e de conteúdo muitíssimo corajoso. É espantoso que a Warner tenha permitido a necessária crueldade final ser oficialmente lançada.

Não há perdão, concessão, segundas chances (o elenco em perfeita atuação deixa isso claro através dos semblantes cansados, maquiagem pesada, desequilíbrio psicológico, etc). A mensagem do filme é clara e deveria servir de alerta: em uma guerra só existem perdedores. Todavia, seja no micro ou no macro campo de nossa civilização, a guerra (qualquer guerra!) parece ser parte da alma do homem. Uma condenação intrínseca à sua existência contra a qual poucos lutam e quase nenhum consegue vencer. É aí que entra a banalização da vida do outro e o egoísmo (lembrem-se das botas, do relógio).

E estamos tão acostumados com isso que nada mais parece nos abalar ou impressionar. Realmente, não existe nada de novo no front. Bem… quase nada. Lembram-se que comparamos a visão da guerra como uma maldição da qual só a morte livraria o homem? Pois é. Quando a única novidade aparece em meio a batalha (seja ela uma noite de prazer ou uma borboleta, aliás, duas belíssimas indicações poéticas do diretor ao metaforizar a vida e a liberdade), o tempo acaba (morre) ou a morte do corpo chega. Ou temos que sair/chegar cedo demais ou somos impedidos de continuar. Sem Novidade no Front não é apenas um filme antibelicista em seu sentido mais bruto, puro e crítico. Ele é também uma lancinante metáfora sobre a vida.

Sem Novidade no Front / Nada de Novo no Front (All Quiet on the Western Front) — EUA, 1930
Direção: Lewis Milestone
Roteiro: George Abbott, Del Andrews, C. Gardner Sullivan (baseado na obra de Erich Maria Remarque).
Elenco: Louis Wolheim, Lew Ayres, John Wray, Arnold Lucy, Ben Alexander, Scott Kolk, Owen Davis Jr., Walter Rogers, William Bakewell, Russell Gleason, Richard Alexander
Duração: 136 min.

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