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Crítica | Segredo de Sangue

por Leonardo Campos
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Segredo de Sangue é um filme cheio de potencial, material dramático tratado na cultura do desperdício, tamanha a falta de habilidade dos envolvidos em construir uma narrativa avassaladora com temas tão polêmicos. Ao longo dos 88 minutos de projeção, adentramos na vida de personagens cheios de anseios e planejamentos, mas em enfretamento diante dos conflitos, afinal, a vontade de um não passa sequer próxima dos interesses do outros, isto é, a matriarca da narrativa vai tornar a vida da nora um inferno de dimensões impensáveis.

Tal inferno poderia ser dantesco, mas infelizmente fica mais para o inferno da telenovela brasileira A Viagem, bem conduzido por sinal, mas pouco trabalhado, tamanha a artificialidade e pressa do cineasta Jonathan Darby no desfecho da história, guiada pelo roteiro que escreveu em parceria com Jane Rusconi. O ponto de partida para a história é a gravidez de Helen (Gwyneth Paltrow), namorada do bonitão Jackson (Johnathon Schaech). Certo dia, a moça é assaltada na rua e fica muito assustada, o que deixa seu amado preocupado e preste a convidá-la para passar algum tempo na fazenda da sua família.

Diante da situação exposta, Helen aceita o convite e conhece a adorável Martha Baring em plena época de Natal. Interpretada pela excepcional Jessica Lange, atriz que aqui desempenha com garra um dos papeis medianos de sua longa e respeitada carreira, a matriarca é prestativa, gentil, educada, mas ao poucos, começa a desenvolver um comportamento inadequado. As suas crises de ciúmes deixam o público sem saber exatamente se é algo relacionado ao filho estar focado noutro relacionamento, o que pode deixa-la obsoleta no quesito atenção, ou então, para elevar as doses de polêmica, talvez haja uma atração sexual implícita, material ideal para os freudianos refletirem.

O problema disso tudo é que o roteiro peca por deixar margem para interpretações, mas fugir da abordagem quando há oportunidades de reflexão. O que poderia ser um filme repleto de camadas generosas de debates sobre modelos de família, traumas do passado, posturas psicóticas e outros tópicos relevantes, torna-se apenas um produto de entretenimento que prende a nossa atenção, mas alcança um desfecho tão veloz que sequer temos tempo para digeri-lo. Há em Segredo de Sangue uma atmosfera envolvente, um “quê” de vai haver uma reviravolta incrível, mas no saldo final ganhamos o básico de um pacote clichê, sem nenhum bônus narrativo para tornar a produção algo inesquecível.

Isso não significa, entretanto, que a produção não funcione como entretenimento. Os jogos sádicos, a trajetória de planos diabólicos e outros acontecimentos, tal como o parto forçadamente induzido nos fazem respirar fundo e temer pelos personagens, mas nada além da superfície, numa narrativa que promete o tempo todo, mas falha a cada mudança de bloco dramático. Dominado pelas duas principais figuras femininas de sua vida, a mãe e a companheira, Jackson é o típico personagem “bipolar”, uma espécie de cachorro “não esperto humano” que segue o estalar dos dedos de quem te chama primeiro.

Em suma, um homem manipulado por duas forças antagônicas, uma  vilanesca e a outra o arquétipo da coitadinha. Quem é bem esperta na história é a avó de Jackson, trancafiada num asilo de luxo, mas ciente do caráter da nora que sempre soube, é a exemplificação maléfica do que a sociedade tem como maternidade. Ao receber a visita de Helen, esbraveja que Martha era uma mulher destinada a limpar bosta de cavalos, mas lutou tanto para ter um sobrenome importante que acabou detendo dinheiro e um lar de luxo após a morte do marido em circunstâncias trágicas, algo que saberemos, também, ter sido parte de um dos jogos malignos da “mamãe perigosa”.

Narrado por uma câmera que observa com certo distanciamento, o filme possui direção de fotografia com estilo muito próximo ao que se fazia em termo de telefilme na época. Não que isso seja ruim, apenas um detalhe expressivo que nos chama à atenção, haja vista o perfil dramático do roteiro, também parecido com aqueles telefilmes exibidos e contemplados nas noites de sábado numa época anterior ao DVD, aos serviços de streaming e aos demais suportes que permitiam uma gigantesca massificação de narrativas como entretenimento domiciliar.

Os figurinos de Ann Roth transformam a personagem de Paltrow numa mulher que ao circular pela zona urbana, possui um feixe de sensualidade e feminilidade, diferente de sua versão rural, apática e aparentemente desconfiada desde os primeiros momentos. A ausência de uma maquiagem mais delineada, diferente do perfil construído para Jessica Lange, demonstra a eficiência do setor, parte integrante dos elementos visuais estabelecidos pelo design de produção de P. Michael Johnston e Thomas A. Walsh. Responsável pela construção auditiva da tensão, Christopher Young faz o que a crítica adora chamar de trabalho burocrático, leia-se, ferrões nos momentos de susto e amenidades sonoras nos momentos de tranquilidade, algo básico do script.

Lançado em 1998, Segredo de Sangue é um suspense que se aproxima das tramas sobre mulheres psicopatas, subgênero do cinema que tem em Instinto Selvagem, Mulher Solteira Procura e Atração Fatal os seus principais expoentes, salvas, obviamente, as devidas proporções comparativas. A mulher desta vez é extremamente obcecada por seu filho, algo que ocasiona problemas para todos que chegam e ameaçam o seu “trono de ferro do centro das atrações”.

Segredo de Sangue — (Hush) Estados Unidos, 1998.
Direção: Jonathan Darby
Roteiro: Jane Rusconi, Jonathan Darby
Elenco: Debi Mazar, Gwyneth Paltrow, Jessica Lange, Johnathon Schaech, Kaiulani Lee, Nina Foch, Richard Lineback, David Thorton,
Duração: 90 min.

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