- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Nunca tive nenhum problema com previsibilidade. Muito ao contrário, quem acompanha minhas críticas aqui no site volta e meia nota que eu elogio a previsibilidade de algumas tramas, pois elas, em minha visão, costumam deixar evidente a qualidade dos respectivos roteiros que levam o espectador exatamente àquela conclusão. Afinal, reviravoltas imprevisíveis, daquelas completamente tiradas da cartola do roteirista como os grandes momentos chamativos de determinadas obras, são saídas fáceis e preguiçosas que deveriam ser evitadas a todo o custo, mas que infelizmente não são.
Mas, como dizem por aí, as coisas não pode ser nem tanto ao mar, nem tanto à terra, ou seja, há que haver um equilíbrio, uma negociação narrativa entre o que o texto leva o espectador a aguardar do fim de uma obra e a execução desse final. Ser previsível não quer dizer que cada passo, cada batida, cada quadro de uma série – como é o caso aqui – necessite ser previsível. O previsível abre espaço e pede algo mais que dê ainda mais valor a ele, sendo o que se espera, mas não exatamente o que se espera. Caso contrário, o tiro pode sair pela culatra e o final margear o insosso, o óbvio (diferente de previsível) e o cansado.
I See You anda perigosamente na fronteira entre o que a previsibilidade tem a oferecer de bom e o que ela às vezes inadvertidamente pode fazer para banalizar uma história. Deixe-me ilustrar com exemplos concretos essa diferença começando justamente pelo começo do episódio, em que vemos Baba Voss e Ranger silenciosamente infiltrados no acampamento de Tormada e Sibeth assassinando um a um os soldados. Qualquer um sabe que os dois juntos são próximos de invencíveis, mas que um número grande de inimigos procurando-os simultaneamente pode ser um problema, pelo que era previsível que eles fosse detectados de alguma forma e que, com isso, o grau de violência aumentasse. E, quando se fala em lutas e violência em See, normalmente o show coreográfico e explícito de sangue jorrando e cabeças cortadas é de se tirar o chapéu. Esse crescendo é o que ocorre e pequenos detalhes como a forma como Tormada morre, com Ranger usando o corpo de seu inimigo mortal como escudo para a granada que ele estava prestes a jogar é excelente, pois dá ao vilão o fim literalmente explosivo que ele merecia, com um coup de grâce particularmente violento, com Ranger cravando a adaga em seu olho em seguida.
Também é perfeitamente previsível a morte heroica de Baba Voss, morte essa que ganha uma solenidade que começa com Haniwa dando cobertura ao pai e, em seguida, Wren dando cobertura à Haniwa, Baba ouvindo sua família no campo de batalha e poeticamente comunicando-se com a esposa – “Eu vejo você.” – e, em seguida, depois de atrair praticamente o batalhão inteiro de Tormada, descendo o malho nas bombas e criando instantaneamente uma cratera para simbolizar seu sacrifício. Em poucas palavras, tudo que gravita ao redor de Ranger e Baba Voss foi muito bem executado. São momentos previsíveis que funcionam como o espetáculo visual que deveriam mesmo ser, com um ótimo uso de clichês do gênero.
O que acaba não funcionando é o restante, basicamente o núcleo de Maghra que, não podendo mais avançar nos túneis, decide arregaçar as mangas para ajudar os dois guerreiros infiltrados, começando com uma longa sequência razoavelmente anticlimática em que a rainha finalmente mata a irmã louca usando sua própria faca escondida no pulso e continuando com sequências de luta que, sendo muito sincero, pouco acrescentam ao conjunto da obra para além do conceito de uma família trabalhando unida pela última vez. A lógica usada também não ajuda muito, pois não só havia outros guerreiros do lado de Maghra e Tamacti Jun que simplesmente deveriam ter participado da luta, como era impensável que a população dos túneis retornasse à superfície para levar bomba mais diretamente na cabeça. Teria sido muito mais interessante se houvessem tramas paralelas com talvez Kofun e Tamacti Jun guiando o povo no subterrâneo e Maghra e Haniwa partindo para a superfície para ajudar Baba Voss (e faço essa divisão pela lógica da coisa, pois Maghra precisava matar Sibeth e Haniwa precisava usar o arco e flecha para ajudar o pai, com Kofun precisando provar-se um líder).
Outra parte de meu incômodo com esse final foi com a IMprevisibilidade da introdução de uma nova personagem, uma mulher do exército de Tormada que é, basicamente, a versão turbinada do Demolidor, aquele personagem cego da Marvel Comics que tem um radar poderoso substituindo a visão. É ela que detecta, a centenas de metros de distância, que não há mais movimento na cidade e que a população está fugindo por túneis subterrâneos. Além disso, ela também detecta que dois guerreiros se infiltraram no acampamento. Não só esse superpoder exige um pouco mais do que o razoável da suspensão da descrença, como ela ser introduzida somente no último episódio e usada por alguns segundos para fins específicos é o pior tipo de deus ex machina, um facilitador de roteiro que chega a ser vergonhoso. Ela no mínimo dos mínimos deveria ter sido usada com proeminência desde o começo do cerco da cidade por Tormada, talvez até antes, já na luta na fortaleza de Jerlamarel.
Mesmo com uma previsibilidade… hummm… exacerbada, See acabou da maneira que deveria acabar e soube entregar a cada personagem seu fim lógico, encontrando inclusive espaço para eventualmente a série ganhar uma continuação em futuro incerto e não sabido dado especificamente os finais de Haniwa e Wren e o sacrifício de Kofun para poder cuidar de seu filho e, um dia, liderar seu povo. See conseguiu ser uma série com uma premissa inusitada que pode não ter começado maravilhosamente bem, mas que encontrou seu ritmo ao longo do tempo e chegou a seu fim no momento apropriado, sem enrolações. Só isso já é um feito a se levar em consideração!
See – 3X08: I See You (EUA – 14 de outubro de 2022)
Criação: Steven Knight
Direção: Anders Engström
Roteiro: Jonathan Tropper
Elenco: Jason Momoa, Sylvia Hoeks, Hera Hilmar, Christian Camargo, Archie Madekwe, Nesta Cooper, Eden Epstein, Joshua Henry, Olivia Cheng, Dean Jagger, David Hewlett, Michael Raymond-James, Tamara Tunie, Damaris Lewis, Michael Raymond-James
Duração: 60 min.