- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Com quase exatamente o mesmo título do último episódio da primeira temporada, a ação de See retorna à Casa do Esclarecimento do mítico (e falecido) Jerlamarel para nos brindar com ótimas sequências de pancadaria em meio a uma indagação filosófica muito interessante e que realmente dá pano para manga. Afinal, não sei quanto a vocês, mas ver Baba Voss, em uma espécie de ataque de fúria, queimar toda a biblioteca do lugar, destruindo séculos de conhecimento e cultura, me deu uma dor no coração, mas uma dor depois temperada pela compreensão do que ele, em sua cabeça, estava fazendo.
É provável que a primeira reação de qualquer um ao ver uma queima de livros como a do final do episódio seja lembrar de situações semelhantes na Alemanha Nazista ou os infelizmente diversos exemplos que temos de censura ao redor do mundo. Mas, na série, a intenção de Baba Voss, diferente desses exemplos abomináveis, é boa, ainda que, claro, no final das contas, equivocada. O que ele quer, de imediato, é impedir a disseminação de informações que possam criar ameaças como as terríveis bombas de Tormada ou mesmo as armas de fogo que vemos ser usadas pela primeira vez na série por Sheva. É o exemplo clássico de um fim que em tese poderia justificar o meio.
Mais até do que isso, a ação de Baba Voss cria uma conexão historicamente muito interessante entre conflitos bélicos e tecnologia, que, para muitos estudiosos, são inseparáveis, um alimentando o outro. A necessidade doentia de Tormada de “dominar o mundo” o levou a continuar o trabalho de Edo Voss, ou seja, usar aqueles que enxergam para reviver tecnologia há séculos dormente neste mundo pós-apocalíptico e o que Baba Voss deseja, sendo muito prático, é quebrar esse ciclo infernal e, para quebrá-lo, em sua cabeça binária de “guerreiro reformado e pai de família”, é necessário eliminar o conhecimento, pois, sem conhecimento, o mundo que ele conhece em princípio volta ao normal.
É uma discussão fascinante e eu fico até triste que ela tenha sido posta na mesa somente no final do episódio, ainda que eu entenda perfeitamente que é suficiente propor a questão e deixar o espectador destrinchá-la com base no pequeno conflito estabelecido entre Haniwa e Kofun sobre o assunto e a indicação, por Sheva, de que aquela biblioteca inestimável é apenas uma de várias, o que já automaticamente cria aquele fio de esperança de que esse mundo selvagem terá salvação. Duvido que o assunto retorne à série de verdade nos três episódios finais que não seja, talvez, com Haniwa e Wren partindo para localizar esses outros santuários em um epílogo, mas o roteiro de Adam Benic e Jennifer Yale cumprem bem o objetivo de levantar a bola.
Já que eu falei só do final até agora, creio que é chegada a hora de rebobinar e começar do começo. E esse começo é a única cena que não se passa na Casa do Esclarecimento e arredores, com a ex-Rainha Sibeth Kane falando para os fanáticos Caçadores de Bruxas e convencendo-os de sua pureza de intenções, de sua divindade e da manipulação e tortura que sofreu nas mãos de sua irmã usurpadora. Seria perfeitamente possível arguir que a sequência é rápida demais e o discursos simples demais para levar à aclamação de Sibeth por seus ex-seguidores, mas a verdade, infelizmente, é que esse tipo de discurso para esse tipo de gente (fanáticos) é extremamente eficaz. Sibeth sabe disso e o espectador também deveria saber disso, bastando olhar ao seu redor basicamente todo o dia, de assuntos banais até os mais sérios. O que não falta é gente de raciocínio nublado por seus posicionamentos políticos, religiosos e outros que encontra na voz de uma pessoa que fala o que eles querem ouvir o respaldo que precisam. Será muito interessante ver como Sibeth e seu novo exército entrarão efetivamente no conflito entre Trivantis e Paya.
Depois, na Casa do Esclarecimento, o episódio nos brindou exatamente com o tipo de ação que poderíamos esperar a partir do cliffhanger do episódio anterior, ou seja, Tormada e seu batalhão fazendo de tudo para acabar com Baba Voss, Ranger e os demais entocados na fortaleza de Jerlamarel. Se Baba Voss, sozinho, já era invencível, ele e Ranger juntos se tornam um verdadeiro exército silencioso capaz de derrotar o batalhão inteiro com alguma facilidade, tanto que a presença de Haniwa, Kofun e Sheva, ali, apesar de terem a vantagem da visão, é bastante diminuída, por assim dizer. Afinal, nada como ver dois guerreiros altamente treinados e com vasta experiência de campo fazendo o que fazem de melhor.
Confesso que não gostei muito da facilidade e aparente velocidade com que Tormada e seus soldados esvaziaram o depósito de bombas e nem a conveniência extrema da chegada dos amigos de Lorde Harlan para revelar que ele, claro, sempre esteve do lado de Paya e de Maghra. Não que os eventos em si não tenham sido bons ou não fossem esperados, pois eles eram até essenciais para montar o tabuleiro para a estirada final, mas faltou criar, com a direção e montagem a sensação de passagem temporal e de dificuldade nas respectivas empreitadas, de certa forma ecoado o excelente combate intramuros na Casa do Esclarecimento.
Seja como for, The House of Enlightenment segue a tendência de The Storm e acaba sendo mais um ótimo episódio da temporada final da série que faz a narrativa andar e prepara os conflitos finais. A tendência é que haja uma certa correria em razão do parco número de episódios que restam, pelo que espero que essa velocidade seja compensada com mais ótimos momentos de combate e guerra e, quem sabe, mais um pouco de questões desafiadoras de cunho prático e filosófico para serem debatidas após os créditos finais.
See – 3X05: The House of Enlightenment (EUA – 23 de setembro de 2022)
Criação: Steven Knight
Direção: Anders Engström
Roteiro: Adam Benic, Jennifer Yale
Elenco: Jason Momoa, Sylvia Hoeks, Hera Hilmar, Christian Camargo, Archie Madekwe, Nesta Cooper, Eden Epstein, Tom Mison, Joshua Henry, Olivia Cheng, Trieste Kelly Dunn, Dean Jagger, David Hewlett, Michael Raymond-James, Tamara Tunie, Damaris Lewis, Michael Raymond-James
Duração: 46 min.