- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
A redenção de vilões não é uma moda recente, claro, mas ela tem se tornado padrão e isso é preocupante em diversos níveis, seja por ter a tendência de humanizar esses personagens ao ponto de basicamente fazer o espectador esquecer e perdoar seu passado, seja por suavizar punições ou consequências nefastas para eles. Felizmente, porém, nada disso vem acontecendo com Tamacti Jun, o caçador de bruxas que, em obediência cega (sem trocadilho) à louca Rainha Kane, passou anos e anos longe de sua família procurando os filhos de Jerlamarel.
Em The Witchfinder, aprendemos que o agora ex-caçador é um homem consumido pela culpa que sente por ter matado e torturada tanta gente, mas essa culpa parece ter sido catalisada por uma razão bastante egoísta, ou seja, o assassinato de sua família pela rainha, o que o fez provar de seu próprio veneno. Como alguém que cometeu uma enorme quantidade de atos terríveis, Tamacti Jun não mais era capaz de sequer sentir alguma coisa, um nesga de arrependimento pelo que fez e o despertar causado pela perda de sua esposa e filho é um castigo pior do que as mortes em sua família que o faz literalmente querer se suicidar revelando sua identidade ao povo que acolhe Baba Voss e companhia, com o protagonista, ao impedi-lo, deixando justamente claro que até a morte deve ser merecida e que o maior castigo do torturado soldado é justamente viver.
Sei que essa forma de tratar o peso da culpa não é nova e muito menos original, mas ela pelo menos evita a bobagem que seria transformar o personagem em alguém magicamente aceito por todos e que consegue viver bem com a realização das mortes e da dor que causou. Nada de classificação de “anti-herói” para Tamacti Jun ao que tudo indica, e sim um calvário que eventualmente deverá levá-lo à morte, creio, mesmo que em meio a uma valiosa tentativa de fazer o bem uma vez que seja. E o melhor é que, além do bom desenvolvimento do personagem, Christian Camargo está muito bem eu seu papel, inegavelmente merecendo mais destaque do que normalmente tem tido na temporada.
Em termos de desenvolvimento narrativo, o retorno de Bow Lion (Yadira Guevara-Prip) pode ter parecido alvissareiro no início, mas sua descoberta de que Baba Voss fez uma aliança, ainda que hesitante, com o caçador de bruxas que dizimou sua tribo e também a que a acolheu certamente trará consequências negativas para o grupo, potencialmente, com o tempo, colocando todas as tribos que sofreram nas mãos de Tamacti Jun contra eles. Espero fortemente que essa conexão não perca na segunda metade da temporada em meio à potencial exacerbação do conflito principal entre Trivantis e Pennsa.
Do lado da Princesa Maghra, os acontecimentos correm com velocidade. Seja seu casamento com Lorde Harlan ou o retorno de Kofun para o seu lado, com uma razoavelmente esperada indignação do jovem com o que está acontecendo que o leva a ficar contra a mãe e, ao que tudo indica, do lado da tia, o roteiro não perde tempo em mover as peças e recolocá-las estrategicamente no tabuleiro para a chegada próxima de Baba Voss e Haniwa, além de, claro, Tamacti Jun, o que pode fazer ruir a frágil aliança que tem como objetivo – ou desculpa, na verdade – manter vivos os filhos de Maghra. Confesso que tudo talvez tenha andado rapidamente demais, com a inexplicável demora da princesa em revelar seus segredos para o filho precipitando a separação deles, o que só tende a se agravar com a chegada do retorno da família.
Mas retornando rapidamente ao casamento em si, achei interessante – e estranho – que, mesmo que a recriação da cerimônia para este universo tenha se esforçado em trabalhar elementos importantes para uma sociedade cega, ou seja, gostos e sons, além das faixas que permitem que os noivos sejam “enxergados” por cerimonialistas como parte do povo/convidados, tenha havido preocupação com aspectos unicamente visuais que não têm lugar nesse universo. Basta notar como o rosto da noiva estava pintado de vermelho, como o figurino da Rainha Kane é repleto de contas coloridas em formato simétrico ou como os figurinos de Maghra e Harlan são uniformes em suas cores. Eu compreendo o uso de tecidos coloridos até, desde que sejam cores únicas por peça, ainda que isso me force a fechar os olhos para o porquê do tingimento que eu mentalmente arquivo como sendo uma exigência da mídia audiovisual, mas quando o lado visual e estético grita bem mais alto, essa distopia se fragiliza. Algo parecido acontece quando ouço Paris dizer a Tamacti Jun que ele passou a vida inteira trabalhando para a escuridão e, agora, deve trabalhar para a luz, como se “escuridão” e “luz” fossem conceitos possíveis no contexto da série.
Picuinhas à parte, The Witchfinder foi um ótimo episódio para Tamacti Jun, mas não tão bom no que diz respeito aos eventos em Pennsa, mesmo que a história tenha inegavelmente andado como um todo. Pareceu-me, sob diversos aspectos, um capítulo de transição, de mudança de marcha, até mesmo de respiro para o que pode ser potencialmente uma segunda metade repleta de eventos bombásticos. Eu só espero que haja tempo para que os arcos narrativos sejam fechados a contento.
See – 2X04: The Witchfinder (EUA – 17 de setembro de 2021)
Criação: Steven Knight
Direção: Anders Engström
Roteiro: Jennifer Yale
Elenco: Jason Momoa, Sylvia Hoeks, Hera Hilmar, Christian Camargo, Archie Madekwe, Nesta Cooper, Eden Epstein, Hoon Lee, Tom Mison, Dave Bautista, Alfre Woodard, Joshua Henry, Olivia Cheng, Yadira Guevara-Prip
Duração: 46 min.