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Crítica | Seaspiracy: Mar Vermelho

por Leonardo Campos
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A humanidade atualmente anda bastante engajada, principalmente nesta era onde a democratização dos discursos nas redes sociais nos permite um certo espaço maior de fala que no passado, época de limitações diante dos meios hegemônicos de comunicação como palanques para a promoção de debates. O problema neste cenário é que em muitas ocasiões, apresentamos “o discurso”. Mas e a prática? Do que adianta postar sobre coleta seletiva se os resíduos de sua casa não passam por um processo seletivo? Algumas pessoas assistem documentários sobre meio ambiente e fauna marinha, apaixonam-se por seus tópicos problematizadores, mas no feriadão católico da Semana Santa, servem-se de cação, espécie de tubarão em extinção, parte da dieta como opção diante da proibição da carne vermelha na época da quaresma. Como lidar? Um dilema semelhante ocorreu com quem vos escreve, numa situação problema onde não haviam argumentos para os fatos apresentados. E acreditem, caro leitor, são digressões que tem tudo a ver com o documentário Seaspiracy: Mar Vermelho.

Recentemente, almoçava uma das minhas iguarias prediletas, o delicioso e suculento camarão, membro da família dos artrópodes, em especifico, os decápodes. O prato era uma moqueca, acompanhada por uma refrescante bebida. Enquanto me alimentava acompanhado, a conversa acabou adentrando pelo papo ecológico. O assunto eram os tubarões, uma paixão pessoal, quando interpelado pela companhia, fui levado a pensar que além dos tais seres com barbatana, a mortandade das baleias, a piscicultura, a pesca de arrasto e o cultivo de camarão, algo que me fez saltar o coração. Se até os amados seres que rendem pratos deliciosos são degradantes para o meio ambiente, o que vamos fazer para nos alimentar prazerosamente? Foram esses pontos que me levaram ao filme de Ali Tabrizi, produção que coincidentemente, tinha sido divulgada por um contato nos stories do Instagram justamente no dia desse papo ecológico ao meio-dia.

Sigamos. Provocado pelo cartaz mencionado na rede social, esperei ansiosamente pelo lançamento do documentário, veiculado no streaming Netflix em março de 2021. Na produção, descobrimos que uma gigantesca rede de corrupção sustenta a pesca marítima. O dióxido de carbono, campanhas contrárias ao uso de canudos de plástico e outras propostas são importantes, mas o maior dano para a vida marinha, sem dúvida, comprovado cientificamente, é a pesca industrial. Pouca gente sabe disso, mas os efeitos predatórios são devastadores e tornarão o planeta impossível de ser habitado num futuro não muito distante. Essa é a necessidade dramática de Ali Tabrizi, o responsável pela direção, texto, edição e pesquisa em torno de Seaspiracy: Mar Vermelho, um documentário revelador, intenso e até demasiadamente agitado, conectado com as demandas narrativas da contemporaneidade. Em determinados trechos, a quantidade de gráficos e o ritmo da junção de cenas captadas pelas andanças do realizador provocam vertigem nos espectadores, tamanha a quantidade de informação distribuída ao longo de seus 85 minutos de duração. Não estraga o processo intelectual ou diletante, mas talvez um ritmo mais parcimonioso colaborasse melhor com a nossa assimilação diante de tanta coisa.

Explorador das belezas do oceano, doador de dinheiro para ONGS focadas na discussão ambientalista e cidadão preocupado com a limpeza das praias, Ali Tabrizi viaja até o Taiji, tendo em vista observar de perto os criminosos que atraem golfinhos para o abate no litoral. Como os animais não possuem serventia para alimentação, haja vista as altas taxas de mercúrio em sua carne, por qual motivo as águas litorâneas da região ficam tão avermelhadas nestas caçadas? A resposta não é complexa: os golfinhos são apontados como comedores dos peixes que os pescadores da região desejam comercializar, por isso, são aniquilados cruelmente, num espetáculo de horror com dimensões catastróficas a ressoar num futuro não muito longínquo. Os excrementos destas criaturas são fertilizantes para os corais que precisam tanto dos golfinhos quanto dos tubarões e baleias para continuarem existindo e fornecendo ao planeta o oxigênio que muita gente sequer imagina, é fornecido por essa enriquecedora fonte de vida no fundo do mar.

Com a retomada da caçada ilegal de baleias pelos japoneses, mesmo sendo algo proibido por lei, o documentário atualiza questões debatidas em The Cove – A Baía da Vergonha, produção com proposta temática similar.  Dentre os tantos dados apresentados pelos gráficos supervisionados por Etia Van Hell, temos a aterradora realidade: entre 2000 e 2015, a cada golfinho capturado, 12 eram mortos. Já pensou na catástrofe ambiental? Ao praticar a atrocidade como controle de pragas, os envolvidos neste esquema criminoso devastam a natureza em proporções gigantescas. Além dos mamíferos, Ali Tabrizi também comenta a pesca de arrasto que prejudica as baleias e tubarões, estes últimos, prejudicados pela sopa de barbatana, iguaria na China, prática que tem dizimado populações de um animal essencial para a manutenção do ecossistema marinho. Em sua viagem que também contempla a Libéria, Escócia, Tailândia, Inglaterra e as Ilhas Faroé, a equipe de Tabrizi conta com o apoio de Lucy Tabrizi na direção de fotografia, captadores das imagens acompanhadas pela trilha sonora alarmante de Benjamin Sturley.

Como proposta de intervenção, os realizadores apontam que não querem forçar ninguém a nada, mas apontar soluções que apesar de complexas, mudarão a vida no planeta para sempre. Vamos deixar de comer camarões que transformam os salgados de festas e alguns almoços em refeições formidáveis? O famoso salmão, amado e desejado por tantas pessoas, terá o seu consumo reduzido? Até eu mesmo, enquanto escrevo, me questiono. Na atual demanda por produção industrial alimentícia, podemos nos dar ao luxo de evitar a pesca, a piscicultura e o cultivo de camarões e afins? São tópicos importantíssimos e que precisam ser refletidos em caráter emergencial. Modificação da paisagem, alteração da biodiversidade, produção de efluentes, poluição por microplástico, eutrofização, etc. A escala de problemas parece maior que a resolução de nossas necessidades. Recentemente, numa pesquisa, das 26 farinhas para alimentação de peixes, selecionadas de 11 países em continentes diferentes, quase todas continham plástico em sua composição.

Ainda há o corante para tornar a carne do salmão mais desejável, diferente do que seria na realidade. Pior: o piolho de peixe, parasita prejudicial para os seres humanos, podem trazer graves crises de saúde. Basta olharmos para o nosso atual cenário pandêmico para encontrar respostas: na falta de limites da atual cultura do consumo de alimentos, colocamos as nossas vidas em riscos constantes. No caso da pesca de arrasto, as redes pegam os peixes e camarões selvagens desejados, mas trazem consigo outras espécies que não serão aproveitadas, criaturas geralmente lançadas ao mar já mortas. O descarte é realizado de maneira inadequada. As fazendas aquíferas de camarão, cultivados em piscinas rasas, destroem a biodiversidade ao ter uma série de produtos químicos aplicados para a eliminação de vírus e bactérias, além de devastar manguezais para a criação destas “fazendas”. O acúmulo de cobre e zinco das sobras destes espaços abandonados posteriormente é outro tópico para nos preocuparmos, somados aos impactos da piscicultura, tão complexa quanto a agropecuária, criticada bastante na atualidade.

Já contabilizou os prós? E os contras? Você, caro leitor, o que acha? Seaspiracy: Mar Vermelho exagera no discurso ou estamos mesmo diante de graves problemas para nos preocuparmos?

Seaspiracy – Mar Vermelho (Seaspiracy– Estados Unidos, 2021)
Direção: Ali Trabizi
Roteiro: Ali Trabizi
Elenco: Ali Tabrizi, Sylvia Earle, Richard O’Barry, Paul de Gelder, Lucy Tabrizi, Jonathan Balcombe, George Monbiot, Michael Klaper
Duração: 85 min.

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