O longo e fixo plano inicial de Se Hace Camino Al Andar é composto por duas estradas. Em primeiro plano, a estrada natural de terra; em segundo, a que foi cimentada pelo homem. Naquela, surge alguém (Paulo Nazareth) vindo do ponto mais distante da câmera até ela; nesta, carros vão e vêm nos dois sentidos. O tempo corre de maneira diferente nas duas estradas. Há o tempo da máquina, de velocidade acelerada; já o do homem, é desacelerado, sem pressa. Enquanto um único homem faz seu percurso, seguindo o fluxo normal da natureza, há uma grande fungibilidade de automóveis, que nunca são os mesmos. O ruído dos motores se contrapõe ao do vento e do campo. Quando o homem sai do plano, ele retorna para o ponto inicial; já os carros, seguem seu destino. Logo, ele está preso em um ciclo, na imobilidade; enquanto o “progresso” segue. De todos esses pequenos confrontamentos surge, de maneira indireta, uma dialética entre máquina vs. humanidade, que seguem seus caminhos separadamente.
Porém, uma hora, esses caminhos se cruzam, em um enfrentamento vertical e frontal. A grande máquina surge imponente e gigante diante do vagante. Os ruídos mecânicos chegam ao limite da tensão. Como um confronto de samurais, o homem vai ao seu encontro e passa por baixo daquele monstro, que segue seu caminho. É o primeiro ponto de virada, de vitória da humanidade, que Paula Gaitán nos oferece. Para quebrar o ciclo, foi preciso um enfrentamento. A partir de então, as coisas mudam. Há uma literal revolução da câmera, que praticamente faz um 360º, e o cenário agora é outro. Não há mais duas estradas, mas apenas um homem perdido em um mar verde.
Não mais se está diante de um conflito externo, da raça humana com o maquinário, mas interno. O homem contra si mesmo. Esta segunda metade, portanto, é menos conflituosa e mais de metamorfose. Uma autodescoberta e a aproximação com a Natureza. Os ruídos animais — aliás, destaco o brilhante trabalho sonoro como um todo de Marcos Lopes da Silva, Paula Gaitán e Ava Rocha — estão cada vez mais intensos; o homem se abaixa e some no meio do nada. Não existe mais a imobilidade da câmera que estava no primeiro plano, mas agora ela acompanha a pessoa e treme para acompanhar sua instabilidade. O cinema incorporou-se ao homem.
Demora-se neste labirinto verde, até que se retorna à estrada inicial. O fluxo de carros parece menor, o som dos motores não é mais audível, apenas o dos animais. Se o homem está realizando o mesmo trajeto, o mesmo percurso, pode-se dizer mais que ele não é mais o mesmo. Existe aqui uma aplicação de um conceito heraclitano: a primeira experiência transformou aquela realidade (tanto o homem quanto o mundo ao seu redor), ainda que em aparência ela seja igual, que não é mais a mesma espiritualmente. Finalmente, a paz e a ordem do mundo natural que se buscava foi encontrada. Para encontrá-la, o homem precisou romper o conceito de tempo capitalista associado ao “progresso” e foi em direção ao sentido contrário, voltando ao estado “primitivo”. Não à toa, ao fim, não estamos mais diante de um homem, mas de um animal. A metamorfose foi completa.
Se Hace Camino al Andar — Brasil, 2021
Direção: Paula Gaitán
Roteiro: Paula Gaitán
Elenco: Paulo Nazareth
Duração: 35 minutos