Embora a primeira narrativa policial da literatura brasileira só viesse a ser publicada em 1920 (trata-se de O Mistério, que surgiu nas páginas do extinto jornal carioca A Folha), demorou bastante tempo até que uma linha mais bojuda de publicações do gênero aparecesse constantemente nas livrarias, tanto em formato de romance ou novela, quanto em formato de coletânea de contos. Isso não significa, porém, que há um “apagão de mistério” em nossa literatura, nesse meio tempo. Em 1932, por exemplo, o imortal Medeiros e Albuquerque publicou a primeira coletânea de contos de mistério do país, intitulada (conforme o português da época) Si eu Fôsse Sherlock Holmes, volume que saiu pela Livraria Francisco Alves, do Rio de Janeiro, uma icônica casa de publicações fundada em 1854 como Livraria Clássica.
Segundo uma Cronologia da Literatura Policial Ficcional Brasileira (atentem para o “ficcional“) realizada pela professora Sandra Reimão no livro Literatura Policial Brasileira (Zahar, 2005), que por sua vez é baseada no levantamento de Paulo Medeiros e Albuquerque, no capítulo 15 de O Mundo Emocionante do Romance Policial (Francisco Alves, 1979), demoraria seis anos desde o lançamento de O Mistério até que outra produção genuinamente policial fosse lançada no país, e esta seria o conto O Assassinato do General, de 1926, também escrito por Medeiros e Albuquerque (infelizmente não encontro essa obra em lugar nenhum. Aliás, dos livros citados na cronologia da professora Sandra Reimão, muitos volumes até a década de 1960 são terrivelmente difíceis de encontrar).
Infelizmente também não consigo informações sobre o lançamento de O Assassinato do General; se ele foi publicado em algum jornal ou se fazia parte de alguma coletânea mista de gêneros. De qualquer forma, o livro que Medeiros e Albuquerque publicou em 1932 é bastante icônico em relação à abordagem, trazendo apenas contos policiais, dentre eles, aquele que dá nome à obra: Se Eu Fosse Sherlock Holmes. Mesmo estando preso às influências internacionais (o nome do famoso detetive de Arthur Conan Doyle logo no título não deixa dúvidas em relação a isso), temos aqui um jeitinho todo brasileiro de lidar com um crime que ocorre numa reunião da alta sociedade carioca.
Fascinado pela leitura que fez do último livro de Sherlock Holmes, o narrador, que é chamado de “V.”, não esconde o seu desejo de investigar um caso, e para isso pede ao amigo Alves Calado, quando nomeado à chefatura de polícia, que o convide para fazer parte de alguma investigação. Calado vive zombando do amigo, mas dá o braço a torcer quando chega a oportunidade correta. “V.” estava na casa de Madame Guimarães quando o furto de um precioso anel aconteceu, e como não tinha policiais para enviar à residência, acabou entregando o caso ao detetive amador. A resolução do caso aqui não tem nada demais, não é exatamente brilhante e não explode a cabeça do leitor, mas tem o seu charme. Além disso, o autor constrói muito bem a base para esse momento final, de modo que o leitor aproveita bem mais a fina ironia da jornada, do que as revelações da chegada.
Um clássico dos primórdios da nossa literatura policial que, apesar das influências externas, recebe boas doses de brasilidade na maneira como cria e conclui o seu problema — especialmente em relação ao que a sobrinha de Madame Guimarães faz no encerramento, colocando a intenção e a honra do narrador-investigador em xeque, virando o jogo a seu favor, como uma vingança por ter tido o seu plano frustrado por ele.
Se Eu Fosse Sherlock Holmes (Brasil, 1932)
Autor: J.J.C.C. Medeiros e Albuquerque
Editora: Livraria Francisco Alves
10 páginas