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Crítica | Scott Pilgrim: A Série – 1ª Temporada

O que aconteceria se...

por Ritter Fan
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Confesso que não esperava absolutamente nada do que vi em Scott Pilgrim Takes Off ou, como displicentemente traduzido para o português, Scott Pilgrim: A Série. Mesmo sabendo da jogada de mestre que foi a contratação de basicamente todo o elenco do longa de 2010 para, na versão em inglês, novamente viver os personagens, só que agora apenas na voz, e mesmo notando que a arte seguiria de maneira muito próxima à da HQ, o que eu imaginei era que a série seria a exata fusão das duas mídias, ou seja, uma nova adaptação da mesma história, só que bebendo das duas fontes ao mesmo tempo. No entanto, quando, ao final do primeiro episódio, o baixista Scott Pilgrim (Michael Cera) perde a luta contra Matthew Patel (Satya Bhabha), o primeiro dos Sete Ex-Namorados do Mal de Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winsted,), com quem ele acabara de começar a namorar, e morre, eu abri um sorriso, sorriso esse que se alargou ainda mais quando notei que Scott não voltaria assim tão fácil e que a série era, na verdade, uma espécie de “o que aconteceria se Scott Pilgrim morresse depois de sua primeira luta pelo direito de namorar Ramona?”.

Ora, se a moda é multiverso, nada como reimaginar um clássico sob essa proposta que, de quebra, coloca a mais do que charmosa – bem mais, talvez apaixonante seja a palavra certa – Ramona Flowers em sua versão ainda mais perfeita do que no live-action, já que funde a arte de Brian Lee O’Malley com a voz de Winstead, no protagonismo absoluto enquanto ela investiga o que exatamente aconteceu com seu namorado mais recente. Se eu já esperava diversão com uma simples adaptação – ainda que eu não seja o maior fã de Scott Pilgrim, seja a HQ ou o filme, confesso -, quando notei que era uma nova adaptação que usa todos os elementos conhecidos da narrativa original e os coloca de cabeça para baixo, passei a ter certeza de que o resultado seria mais do que apenas mais do mesmo.

E foi mesmo. Com O’Malley ao lado do roteirista e diretor BenDavid Grabinski no desenvolvimento, a releitura das desventuras de Scott Pilgrim resultou em uma delícia de série que não só usa o que suas fontes têm de melhor, como conta uma nova história que eleva Ramona à posição de destaque que merece, de certa forma retrabalhando as mesmas temáticas, como ansiedade, insegurança e relacionamentos entre jovens adultos, mas sob a ótima feminina. Meu único “senão” é o mesmo que tive quando li a HQ há muitos anos, em preto e branco (colorida é muito melhor), ou seja, o quanto o traço de O’Malley propositalmente cria personagens adultos que parecem adolescentes, algo que o filme conserta completamente e que a série, claro, reverte. Mas esse é apenas um detalhe pessoal meu, pois a arte e a animação, que segue o estilo japonês, mas sem a desanimação e os textos expositivos padrão (sim, podem me crucificar) é excelente.

Aliás, desanimação é o que a série absolutamente não tem. Dos cabelos coloridos como o Monza Classic que são marca registrada de Ramona e que mudam de episódio a episódio, passando por sequências de ação à la videogame completamente dinâmicas e, mais importante do que isso, variadas tanto em estrutura quanto em estética (a pancadaria de Lucas Lee, voz de Chris Evans, contra os paparazzi ninjas é fantástica), e os cenários cuidadosamente desenhados para andarem na linha imaginária que divide a fantasia da realidade (e falo de locais prosaicos como a cafeteria onde Julie Powers, voz de Aubrey Plaza, trabalha ou o quarto de Young Neil, voz de Johnny Simmons), tudo funciona bem na série. Há espaço, mesmo com apenas oito curtos episódios, até para o desenvolvimento de personagens coadjuvantes, como vemos acontecer especialmente com Wallace Wells (Kieran Culkin), o colega de quarto gay de Scott, e Knives Chau (Ellen Wong), a namorada-que-não-é-bem-namorada de Scott. E tudo isso com uma paleta de cores vibrante, encantadora, ainda que quase indutora de ataques epilépticos.

O pecado que a série comete é correr demais com seu final, com a resolução de todo mistério. Se por um lado há o mérito de que tudo é efetivamente resolvido (ok, fica uma ponta solta apenas, mas nada particularmente importante), o que faz da série uma minissérie, por outro toda a forma com que a investigação de Ramona chega ao momento da “explicação a todos os potenciais culpados em sua sala fechada” bem no estilo Agatha Christie, sofre de uma “explicometria” alta que é seguida de uma abordagem quase caótica nos dois episódios finais que introduzem novos personagens (ou quase) e que aumentam ainda mais o lado expositivo da trama sem que houvesse a menor necessidade para isso. Havia espaço, mesmo dentro da duração econômica da série, para que a narrativa ganhasse mais equilíbrio entre as perguntas e as respostas e mantendo todo o show cinético que os animadores se esmeraram em colocar na telinha.

Mesmo assim, sob pena de ser queimado na fogueira por heresia, considero Scott Pilgrim: A Série, consideravelmente melhor do que tanto Scott Pilgrim: A HQ e Scott Pilgrim: O Filme. O’Malley parece encontrar o ponto de equilíbrio entre suas boas ideias e a lerdeza de seus desenvolvimento nos quadrinhos e ele mesmo, com Grabinski, consegue frear a narrativa estilo sobre substância de Edgar Wright. O what if… do universo de Scott Pilgrim acaba mostrando que tempo e amadurecimento têm sim o potencial de descobrir exatamente o ponto em que a balança encontra seu fiel.

Scott Pilgrim: A Série – 1ª Temporada (Scott Pilgrim Takes Off – EUA/Japão, 17 de novembro de 2023)
Desenvolvimento: Bryan Lee O’Malley, BenDavid Grabinski (com base em HQ de Bryan Lee O’Malley)
Direção: Abel Góngora, Tomohisa Shimoyama, Moko-chan, Akitoshi Yokoyama, Rushio Moriyama, Takakazu Nagatomo, Kenji Maeba, Takuya Fujikura, Takakazu Nagatomo
Roteiro: Abel Góngora, Tomohisa Shimoyama, Moko-chan, Akitoshi Yokoyama, Rushio Moriyama, Mari Motohashi, Kenji Maeba
Elenco de voz (em inglês): Michael Cera, Finn Wolfhard, Will Forte, Mary Elizabeth Winstead, Satya Bhabha, Kieran Culkin, Chris Evans, Anna Kendrick, Brie Larson, Emily Haines, Alison Pill, Aubrey Plaza, Brandon Routh, Jason Schwartzman, Johnny Simmons, Mark Webber, Mae Whitman, Ellen Wong, Julian Cihi, Kristina Pesic, Ingrid Hass, Shannon Woodward, Kevin McDonald, Stephen Root, Kirby Howell-Baptiste, Griffin Newman, Tony Oliver, Ryan Simpkins, Nelson Franklin, Michael Bacall, Bowen Yang, Matt Rogers, Simon Pegg, Nick Frost, Kal Penn, “Weird Al” Yankovic, Metric, Christine Watson
Elenco de voz (em japonês): Hiro Shimono, Fumihiko Tachiki, Fairouz Ai, Shinji Saitō, Masaya Fukunishi, Yūichi Nakamura, Misato Matsuoka, Kana Hanazawa, Tomo Muranaka, Yū Kobayashi, Wataru Hatano, Tomokazu Seki, Yuto Kawasaki, Anri Katsu, Naomi Ōzora, Aoi Koga, Shunsuke Takeuchi, Seiichiro Yamashita, Haruka Shiraishi
Duração: 217 min. (oito episódios)

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