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Crítica | Scare Campaign (2016)

Surpresa!

por Luiz Santiago
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Os irmãos Cameron e Colin Cairnes estabeleceram o seu estilo muito peculiar de trabalhar o terror (e, neste caso, com larga veia cômica) em 100 Bloody Acres (2012), uma obra onde as surpresas do roteiro deixavam tudo crescentemente instigante e onde havia espaço para mortes estilosas com boas referências ao nicho de filmes sanguinolentos tanto em sua vertente original (giallo) quanto em sua mais conhecida derivação (slasher). Ali, os australianos estavam bem próximos do estilo europeu de trabalhar com essa temática. Já no presente longa, de 2016, eles se aproximaram bem mais da toada hollywoodiana, com evidente apelo comercial. Claro que podemos ver características próprias da dupla na condução da fita, mas a identidade da obra está próxima daquilo que vimos diversas outras vezes na tela, sob diferentes aproximações de diretores estadunidenses, portanto, nada verdadeiramente memorável, apesar de ser muito bom.

A premissa de Scare Campaign é daquelas que deixa animado qualquer pessoa que adora uma obra metalinguística. O filme é uma sopa de camadas formais, todas ligadas à arte de filmar para causar medo nos outros. Na camada diegética mais superficial, acompanhamos a existência de um programa de televisão (Scare Campaign) que filma pegadinhas de terror  assustadoramente realistas. Esse mote narrativo é estabelecido com muita competência pelos cineastas logo no começo do primeiro ato (infelizmente, longo demais) e, ao contrário do que se possa imaginar, não estraga o desenvolvimento ao “entregar o ouro demais“, até porque eles incluem também a camada da internet e um grupo chamado Aberrações Mascaradas, que ganha muito dinheiro e popularidade com snuff (obras que mostram supostas “cenas reais de mortes ou assassinatos, de uma ou mais pessoas, sem o auxílio ou o uso de quaisquer efeitos especiais“) e que acabarão tendo um papel “invasor” muito importante no filme — uma piscadela para o mesmo comportamento em relação às produções para a internet nos anos 2010 versus as produções mais baratas para a TV naquela década.

O filme inteiro é construído para dar suporte à segunda e mais longa pegadinha, que se passa em um antigo hospício. Como Scare Campaign é um filme curto (apenas 80 minutos, somando os créditos), vê-se que os cineastas penaram para aproveitar a duração, fazendo de tudo para ocupá-la com cenas de impacto, sempre ligados ao terror em suas mais distintas categorias de exposição, do jumpscare ao psicológico. Modelos físicos de maquiagem e cabelo são citados a partir de Linda Blair e Mario Bava (mais especificamente, à personagem fantasma de Mata, Baby, Mata). Quem também aparece nominalmente em um dos diálogos é Alfred Hitchcock, citado como convenção simbólico-narrativa na relação entre dois personagens. Toda a atmosfera de Scare Campaign está voltada para o terror como gênero, e isso é explorado na forma e no conteúdo, também exposto em diferentes nuances, embora o found-footage seja o que mais prevaleça.

A autoconsciência do filme é uma qualidade-armadilha difícil de ser superada, portanto, o seu calcanhar de Aquiles. Se por um lado é divertidíssimo acompanhar as filmagens e os significados múltiplos para cada uma das mídias exibidas (cinema, televisão, internet), cada uma dessas searas ficam carentes de comentários contextualizadores, às vezes dando a impressão de apenas “estarem lá por estar“. Não é segredo para ninguém que os melhores suspenses, os melhores terrores, os melhores slashers validam-se de fato pela unidade de medo que criam, pelo “corpo de obra macabra” que se justifica e que precisa fazer sentido do início ao fim, cada bloco compensando o outro. O que ocorre aqui é quase um desmembramento das partes, com atos que não se compensam bem: isolados, são sensacionais; unidos, são apenas bons. E isso é muito mais percebido no elemento mais assustador e mais marcante do filme: a atuação das Aberrações Mascaradas.

Ao cabo, a aceitação plena de destino trágico pelo diretor do programa Scare Campaign me pareceu fácil demais, simples demais, definitivamente vazio — uma forma quase desleixada de encerrar o filme livrando-se de um de seus personagens icônicos, uma voz por trás da produção de um tipo de terror, aquele que joga salvo, sem muitos riscos, perdendo para “o verdadeiro terror da realidade“. O final, contudo, não falha em manter acesa a chama da intriga na mente do público, não necessariamente abrindo demais as possibilidades, mas deixando um caminho muito bem definido de dúvidas que podem gerar boas discussões sobre quem (e por quê) estava por trás de tudo aquilo que vimos no antigo hospício depois que o Sol se pôs.

Scare Campaign (Austrália, 2016)
Direção: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Roteiro: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Elenco: Meegan Warner, Ian Meadows, Olivia DeJonge, Josh Quong Tart, Patrick Harvey, Cassandra Magrath, Steve Mouzakis, John Brumpton, Jason Geary, Sigrid Thornton, Kaiting Yap
Duração: 80 min.

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