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Crítica | Sandman: 24 Hour Diner

Um dia terrível.

por Luiz Santiago
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A maneira como as narrativas de Sandman são construídas permitem ao leitor que mergulhe em certas histórias como contos isolados desse personagem, mesmo que façam sentido geral na maneira como integram o arco em questão. Em Prelúdios e Noturnos, uma dessas histórias chama-se 24 Hours, e acontece no momento em que Morpheus está em busca dos artefatos que foram roubados dele há muito tempo, e que agora estão espalhados por diversos lugares do mundo e do submundo. 

Neste capítulo, Neil Gaiman nos mostra o Doutor Destino (John Dee), previamente internado no Asilo Arkham pela Liga da Justiça, portando o rubi que pertencia ao Sonho. Com essa posse, o vilão realiza uma jornada de ódio e domínio da humanidade através da esfera onírica, numa trama genuinamente assustadora onde todos revelam parte de suas personalidades escondidas (ou são forçados a revelá-las) e terminam mortos, dado o extremismo com que isso acontece. Em 2017, Nicholas Brown e Evan Henderson adaptaram, em um fanfilm, esta potente história. 

Sandman: 24 Hour Diner reforça o aspecto de O Anjo Exterminador que inspirou Gaiman a conceber a trama fechada em um restaurante, onde Dee estabelece o seu domínio, começando por impedir que as pessoas saiam do lugar. A direção de fotografia e arte dão um aspecto de sonho à obra desde o momento que nos mostra o restaurante em plano geral, do lado de fora, e nos indica que algo não vai bem e nem ficará bem ali. Como Dee está entediado, ele utilizará do poder do rubi para, com o passar das horas, forçar as pessoas a agirem de forma inesperada e dar-lhe prazer.

A narração, feita por David John Phillips, cria um ar de apresentação jornalística, quase como uma narração despreocupada e cínica de um cenário que é horrendo. Essa construção bem compassada dos elementos dramáticos por cada hora é o ponto fraco da trama, por seguir quase sempre o mesmo padrão. Nas primeiras horas do dia, isso é perfeitamente harmônico com o andamento das histórias de apresentação, mas conforme o tempo passa e os personagens são devidamente conhecidos do espectador, parece que falta algo ali para mostrar. Então os muitos “momentos vazios” aparecem na tela. Nos quadrinhos, como a dinâmica de andamento e exposição do tempo é diferente, isso não ocorre.

Dee é apresentado nas sombras, e só depois que as “primeiras moscas caem na teia” é que o vemos irradiando o vermelho do rubi de Morpheus. Não há, no caso dele, um impulso dramático muito forte (em termos de desenvolvimento), mas acredito que os diretores e roteiristas pretenderam focar nas ações causadas pelo homem, fazendo o público entender quem é o vilão a partir do que ele é capaz de gerar. No quadrinho, ele recebe um tanto a mais de atenção, então sua presença como vilão é completa. No filme, por conta das quebras narrativas das horas e pelo foco visual na parte gore (e não falo isso de forma negativa, é apenas um fato, pois o gore é parte da identidade da trama), ele está agindo de forma mais distanciada, com o narrador tomando maior destaque.

Novamente, a temporalização e a forma de apresentar a história nas HQs  é diferente. Ao adaptar a mesma dinâmica para o audiovisual, às vezes se esquece que a atenção do espectador é capturada por outras coisas, dependendo de como são colocadas na tela. Vejam os elementos de punição ou prazer, por exemplo. Alguns passam muito rapidamente (como a orgia), outros são colocados de forma perfeita (o relato necrófilo da mulher, por exemplo, uma das cenas mais elegantemente dirigidas do curta, com perfeita direção de fotografia, em caráter neo-noir) e outros selecionados a partir de seu impacto visual, como o homem batendo pregos na mão; ou briga entre “feras humanas”.

O trabalho da dupla de diretores em Sandman: 24 Hour Diner é interessante. Mesmo perdendo força narrativa pela maneira como adaptaram a passagem das horas, os cineastas conseguiram uma transposição que mantém a essência do original e transmite a ideia geral de forma bem redondinha, especialmente em seu aspecto estético. A animação, na parte final, é o toque de ouro da obra, acompanhando a viagem de Sandman até o restaurante e a sua chegada ao local. A batalha contra Dee, nesse caso, não é necessária. Nós já sabemos o que virá. E depois de 24h de terror, a chegada de alguém para vingar tudo aquilo e restaurar os sonhos da humanidade aos seus trilhos é a única certeza que a gente de fato precisava.   

Sandman: 24 Hour Diner (EUA, 2017)
Direção: Nicholas Brown, Evan Henderson
Roteiro: Nicholas Brown, Evan Henderson (baseado em roteiro de Neil Gaiman)
Elenco: Neil Affleck, Kenton Blythe, Justyna Bochanysz, Doran Damon, Lily Johnson, Ken Lashley, Ben LeFevre, Zach MacKendrick, David John Phillips, Storie Serres, Adam Stewart, Michael Sutherland, Frances Townend
Duração: 34 min.

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