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Crítica | The Sandman – 1X11: Um Sonho de Mil Gatos

Como moldar o mundo?

por Luiz Santiago
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O apelido de “quadrinho praticamente inadaptável” que Sandman recebeu durante muitos anos não era um exagero, isso todos nós já entendemos, a esta altura. Dentre as muitas histórias para as quais esta opinião foi bastante forte, Um Sonho de Mil Gatos ocupou uma posição privilegiada. O fato de focar majoritariamente em um mundo felino, ou a partir da perspectiva dos felinos, torna essa trama bastante difícil de transpor para o audiovisual, de modo que a escolha dos produtores da série em escolher a animação a fim de reimaginar essa história acabou sendo a melhor possível. Na verdade, a única, em minha opinião, a faz jus àquilo que o autor quis transmitir em sua publicação original, The Sandman #18, hoje agrupada no arco Terra dos Sonhos.

A história original possui uma progressão rítmica perfeita, construída em camadas. Nela, vemos um gatinho sendo colocado para dormir. Na cena seguinte ele vê um gato adulto na janela, convidando-o para algo que acontecerá fora da casa. Na presente animação, dirigida por Hisko Hulsing (conhecido em safras recentes por seu trabalho na série Undone), vemos esse início ser muito bem moldado em sentimento e em progressão, com um filhote escapando para uma aventura noturna onde conhecerá o discurso de uma gata Profeta (Sandra Oh, em uma dublagem plácida, imponente e muito bonita). Há uma boa variedade de sentimentos nesse início, todos muito próximos do terror. No desenvolvimento, esse sentimento se reforça, mas possui cenas que seguem por um caminho distinto, um respiro de beleza e calor em meio a um relato que, independente da interpretação que o espectador faça do enredo, sempre será melancólico, belo e tocante.

A técnica de animação escolhida caiu muito bem nessa produção, tão fortemente ancorada em sensações, em comunicar para o público a construção e/ou desconstrução de toda uma existência. O diretor faz uma hipnótica mistura de pinturas a óleo reais com o clássico formato 2D. A interação entre o mundo dos humanos e o mundo dos gatos também permite blocos de cenas onde essas pinturas passam a interagir com os desenhos 3D de gatos realistas, feitos pelo Untold Studios, em Londres. Pegando esse material, o Submarine Studios, em Amsterdã, finalizou com uma coloração que é um verdadeiro espetáculo. As cenas de flashback da Profeta misturam a dor de uma mãe com um momento felinamente sexy, do flerte dela com um gato vagabundo que escolheu para ser seu amante. A cena é linda, a cor do gato é linda e o ambiente crepuscular ao fundo diz uma quantidade enorme de coisas para o espectador, sendo capaz de criar uma das atmosferas mais intensas e alegres da obra em poucos segundos.

Ver Morpheus aqui representado nos sonhos de uma mãe felina num processo de luto é emocionante em diversos aspectos, e é mais uma prova (que vem exatamente dos quadrinhos, não é uma invenção da série!) de que a manifestação do Sonho pode ser em qualquer forma, cor, ambiente, cultura e espécie. Além da óbvia indicação de que animais também acessam o Sonhar, notamos o quanto o sonho da gata traz uma narrativa de criação digna de aplausos. A ideia de que a espécie mais fortemente sonhadora é quem dá todas as explicações e quem dita as regras para o mundo que habita, do seu início ao seu fim. O convite ao sonho coletivo é estabelecido de forma direta, assim como a dificuldade desse sonho em comum acontecer. Aliás, escolher os gatos para essa representação foi muito acertado da parte de Neil Gaiman, que, aliás, está muito bem dublando o corvo esquelético da parte do Sonhar visitada pela gata.

O que molda uma realidade? Qual é o verdadeiro poder de um sonho coletivo? Como é possível apagar toda uma Era e criar algo onde os antigos dominadores tornam-se os dominados e, dependendo do caso, aceitos em alguns espaços da nova realidade? A quantidade de interpretações para este conto sempre me fascinou. É uma aventura sobre criação, sobre a possibilidade de modificar as coisas (a nossa realidade/nosso Universo é o exemplo dado na história, mas a fábula do autor se aplica, como sempre, nesse gênero, a qualquer ambiente particular da vida de alguém); sobre sonhar em conjunto e, a partir desse desejo coletivo, procurar construir uma Nova Era. Uma narrativa lírica com uma escancarada janela de esperança para qualquer sonhador que se preze.

Sandman – 1X11: Um Sonho de Mil Gatos (Dream of a Thousand Cats) — EUA, Reino Unido, 19 de agosto de 2022
Direção: Hisko Hulsing
Roteiro: Catherine Smyth-McMullen
Elenco: Tom Sturridge, Sandra Oh, Rosie Day, Neil Gaiman, David Gyasi, Joe Lycett, James McAvoy, David Tennant, Georgia Tennant, Michael Sheen, Anna Lundberg, Nonso Anozie, Diane Morgan, Tom Wu
Duração: 16 min.

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