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Crítica | Samurai William, de Giles Milton

De uma ilha para outra.

por Ritter Fan
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O autor britânico Giles Milton especializou-se em escrever obras não-ficcionais sobre personagens históricos esquecidos. Seu primeiro trabalho foi sobre o quase mítico – ou talvez completamente mítico – John Mandeville, que, em tese, no século XIV, atravessou o mundo islâmico, chegando até a Índia e China, seguido de uma abordagem sobre Nathaniel Courthope que, no século XVI, fez de tudo para quebrar o monopólio holandês de noz-moscada ao tomar a ilha de Run, na Indonésia, que acabou fazendo parte das negociações entre Inglaterra e Holanda sobre uma outra ilha, esta bem mais conhecida, chamada Manhattan. Nessa linha, em 2002, ele lançou uma biografia do piloto/navegador britânico William Adams que, em 1600, depois de dois anos no mar, foi o primeiro de seu país a chegar ao Japão, tornando-se no primeiro samurai do Ocidente.

Samurai William, que é embelezado pelo subtítulo pomposo O Britânico que Abriu o Japão (The Englishman Who Opened Japan), pode não ser a obra mais completa sobre Adams cujos restos mortais foram reconfirmados em 2020 com testes de DNA, mas é certamente uma leitura muito agradável sobre esse aventureiro que foi elevado a um razoável grau de popularidade por ter sido o modelo para o personagem John Blackthorne, protagonista do romance épico Xógum – A Gloriosa Saga do Japão, que James Clavell publicou 1975 e que foi adaptado como minissérie duas vezes, uma em 1980 e outra em 2024. Milton parece não se esforçar muito para escrever um livro de história como se fosse um romance de ficção, inclusive sem se furtar de fazer citações diretas a diários, cartas e outros escritos do próprio Adams e de outros personagens históricos importantes da época.

Na verdade, o autor vai além. Ele fornece uma excelente contextualização das navegações espanholas e portuguesas no século XVI, abordando os primeiros europeus a chegarem ao Japão, falando sobre a peregrinação de Francisco Xavier ao arquipélago britânico e criando a bagagem histórica necessária para que o leitor compreenda o conflito de fundo religioso entre a Inglaterra e a Holanda protestantes de um lado, e os países da Península Ibérica católicos de outro, com Adams e seus colegas marinheiros, claro, pertencendo ao primeiro grupo. Além disso, Milton esforça-se em fazer o mesmo com o Japão da mesma época, deixando claro a literal natureza insular do país, mas também seu alto grau civilizatório bem diferente e bem mais elevado do que os dos povos que o expansionismo católico encontrara em outros lugares do mundo.

Talvez por não ter acesso a mais material ou por ter escolhido um caminho mais simplificado que serve de ótima introdução às aventuras de Adams, o autor não foca muito de seu livro na vida do marinheiro antes da expedição de cinco navios que o levaria de Rotterdam até o ponto mais ao sul das Américas, pelo Estreito de Magalhães, até o Japão. O começo da vida do sujeito da pesquisa é rápido e feito em breves pinceladas. A viagem em si – na verdade uma odisseia marcada de tragédias – também é contada com substancial velocidade, com a narrativa finalmente encontrado seu passo a partir da milagrosa chegada de Adams ao Japão. No entanto, àqueles que procuram no livro ecos do que Clavell escreveu em seu romance de 1975, poderão sair frustrados, pois o período de alguns meses no ano de 1600 focados no romance é a menor parte da história de Adams, que sequer se torna samurai nesse tempo, algo que só vem a ocorrer um bom tempo depois, como forma de o então xógum Tokugawa Ieyasu, que, estrategista como poucos, imediatamente vê valor no conhecimento do britânico e o alberga sob sua proteção antes mesmo de chegar ao ponto máximo de seu poder, prendê-lo a seu país.

Mas é justamente por isso que Samurai William é uma ótima introdução à história real de William Adams. Giles Milton em momento algum tenta surfar na fama do romance de 1975 e muito menos da minissérie de 1980. Ele escreve exatamente aquilo que ele conclui em sua pesquisa, sem enrolar e dando vida a um Adams após o ano de 1600, quando ele realmente assimila o modo japonês de ser, passando a viver em propriedade concedida a ele por Tokugawa (com vista distante do Monte Fuji!) e a ser intérprete e conselheiro do xógum, inclusive construindo navios e criando rotas de comércio entre Japão e Indochina e facilitando as relações comerciais da Holanda e da Inglaterra com seu país adotivo, para desespero dos Jesuítas que, até aquele ponto, garantiam exclusividade do comércio de Portugal e Espanha com a Terra do Sol Nascente.

Em Samurai William, Giles Milton dá uma aula de história sem parecer que está lecionando, usando um texto agradável, enxuto, mas repleto de citações a fontes importantes (ainda que nenhuma japonesa, provavelmente em razão da barreira da língua) que dão vida a um personagem fascinante de um período ainda mais fascinante da História do Japão, em que o país sai de décadas de guerras civis para mais de 260 anos de paz interna com apenas uma dinastia em comando. É, como disse, o perfeito pontapé inicial para que a curiosidade do leitor seja aguçada para outras obras sobre o período.

Samurai William (Samurai William: The Englishman Who Opened Japan, Reino Unido – 2002)
Autoria: Giles Milton
Editora: Farrar, Straus and Giroux
Data original de publicação: janeiro de 2002
Páginas: 373

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