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Crítica | Salvador – O Martírio de Um Povo

por Leonardo Campos
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Oliver Stone é um cineasta conhecido por seus filmes repleto de discussões sociais e políticas em alto tom. Salvador – O Martírio de Um Povo é um desses casos, literal retrato das mazelas da guerra e sua irracionalidade gritante. Há, nesse debate sobre falta de lógica para um conflito bélico, algum flerte com o melodrama e reflexões sobre o papel da mídia jornalística na condução da informação no bojo dos interesses múltiplos entre povos em combate, cada um com a sua “verdade”. Conduzido pelo próprio roteiro, inspirado no livro de experiências biográficas de Richard Boyle, o realizador trabalha as suas críticas ácidas ao longo de 122 minutos de produção.

Na trama, personagens evoluem em suas respectivas trajetórias, mas é bem delineado que Oliver Stone tece as suas críticas tendo em vista posicionar-se ao lado humano das coisas. Com isso, longe de pensamentos extremos imperialistas, narra a trajetória de Richard Boyle (James Woods), um fotógrafo estadunidense que decide cobrir uma guerra civil em El Salvador, por volta de 1980. Por um lado, trafegou pela esquerda política e fotografou os guerrilheiros interessados em ter a sua versão da guerra divulgada na mídia. Do outro, trafegou em contatos pela direita que tinha interesse em imagens daqueles que chamou de “rebeldes”, tendo em vista marca-los e exterminá-los.

Tal como os personagens de Sob Fogo Cerrado, Repórteres de Guerra, O Abutre e tantas outras produções sobre imagens de guerra e violência urbana, o fotógrafo interpretado por Woods é um voyeur da miséria. Ao assistir a cobertura televisiva para a tal guerra do filme, ele faz contato com seus conhecidos da mídia. É o primeiro passo para conseguir as credenciais necessárias para cobrir o conflito oficialmente, numa postura fetichista tipicamente estadunidense, cultura fascinada em intervir em problemas alheios para ganhar a sua fatia de poder e dominação, como já aconteceu numerosas vezes em suas intromissões nas porções americanas vizinhas, Central e Sul.

Junto ao seu amigo Dr. Rock (James Belushi), parceiro de curtição regada ao álcool e drogas, agora se deparam com uma realidade extremamente dura, nada vivido em qualquer segundo de suas respectivas vidas de paz e alienação. Será em El Salvador que eles vivenciarão os conflitos bélicos diários, ao som de bombas que estouram constantemente, armas que não cessam os seus disparos e corpos que são alvejados e mutilados cotidianamente. Como anexo, fome, miséria, etc. Nada para se vangloriar, tampouco fazer ferver o orgulho patriótico. O que fica evidente é a irracionalidade da guerra, sempre destrutiva e macabra.

Sempre em busca da obtenção de material informativo de qualidade, o fotógrafo faz da sua prática uma mescla de estética e política de primeira linha. São fotos desejadas por todos os lados envolvidos nos conflitos. Há muito conteúdo a ser informado, além disso, o ego de Boyle precisa ser oxigenado, na reiteração de seu papel como algo fundamental naquele espaço. Por mais que haja a paixão, porção melodramática da narrativa, ao se envolver com Maria (Elpidia Carrilho), o que lhe conecta com o “lado humano da força”. Isso, no entanto, não faz dele menos oportunista. Levanta também o debate sobre até que ponto um fotojornalista pode criar estratégias de intervenção no bojo de um conflito de tal magnitude.

A ética, palavra-chave tão comum nos debates sobre o exercício da tarefa do fotojornalista, vai literalmente para os escombros. Em nome da glória de ser reconhecido e poderoso, por conta do dinheiro que mina diante dos registros imagéticos da miséria alheia, Richard Boyle segue a sua trajetória. O que mostrar? O que não mostrar? Para o fotógrafo, a única meta em determinado momento é ficar vivo e ser notícia. Em seus sonhos profissionais mais íntimos, o personagem deseja ser o próximo Robert Cappa, famoso nome da fotografia jornalística, inspiração para o seu trabalho de registro das mazelas da guerra.

Cúmplice de sua saga é a direção de fotografia de Robert Richardson, responsável por captar as imagens de crianças mutiladas, corpos decompostos, nativos em execução pelas forças repressoras, material acompanhado pela trilha sonora de Georges Delerue, compositor que encontrou um bom tom ao trazer hinos de guerrilha e música clássica ao conjunto de sua textura percussiva. O design de produção de Kathryn Morrison se estabelece de maneira eficiente, adequado para a atmosfera de guerra do filme. Em suma, uma experiência estética satisfatória.

Lançado em 1986, Salvador – O Martírio de Um Povo é uma crítica ferrenha ao apoio que os Estados Unidos deram aos esquadrões da morte, conectados com ideias da direita, interessados em ter colaboração em troca de espaço para os imperialistas criarem as suas raízes de destruição. A morte de quatro missionárias católicas também é retratada na produção, ataque covarde e totalmente orientado pela falta de interesse em aplicar as ideias oriundas em documentos sobre os direitos humanos. Violência, miséria social, fome e falta de responsabilidade política. Você verá por aqui, caro leitor.

Salvador – O Martírio de Um Povo (Salvador/Estados Unidos, 1986)
Direção: Oliver Stone
Roteiro: Oliver Stone, Rick Boyle
Elenco: James Belushi, James Woods, John Doe, John MacDevitt, John Savage, Jorge Luke, Jorge Pol, Jorge Reynoso, José Carlos Ruiz, José Chávez, Joshua Gallegos, Juan Fernández, Juliana Urquisa, Julie Conn, Kara Glover, Leticia Valenzuela, María de los Ángeles Urquiza, María del Carmen Sánchez, María Rubell
Duração: 123 min.

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