O horror ecológico é um subgênero do cinema conhecido por mesclar aventura e terror e flertar com conflitos humanos diante de ameaças diversas, desde os desastres naturais ao implacável ataque de animais que se transformam em máquinas de matar impiedosas ao longo destas narrativas que parecem não deixar de causar interesse na indústria ainda hoje. Sabemos que orçamento é uma coisa bastante peculiar e alguns filmes não gozam dos privilégios de conseguirem uma boa equipe técnica para o desenvolvimento de suas histórias, como é o caso dos realizadores de Saltwater: A Batalha Pela Ilha Ramree, escrito e dirigido por Steven Lawson, cineasta e roteirista que aqui demonstra a sua inabilidade ao assumir a concepção de uma história que deveria ter como ponto de partida, os bons exemplos do subgênero que nos ensinaram que a sugestão muitas vezes é melhor que a exposição.
Alguns diretores utilizam esse artifício como maneira de engendrar melhor a tensão e o suspense. Outros por não disponibilizarem de animatrônicos, efeitos especiais e visuais, tampouco um bom músico para a criação da textura percussiva atraente e funcional. Para o leitor compreender melhor o meu fluxo inicial de reclamações, tenho as devidas explicações. Saltwater: A Batalha Pela Ilha Ramree é um filme sobre um grupo de soldados ingleses perdidos numa área geograficamente desconhecida, parte integrante do território que os seus conterrâneos imperialistas desejam arrendar. Não fosse apenas a questão bélica, os “perdidos na floresta” também precisam enfrentar os audaciosos crocodilos que habitam a região, criaturas sem o senso de racionalidade humana para saber a hora em que devem ou não partir para o ataque. Aqui, se nem os humanos são coerentes e batalham até a morte por um pedaço de terra em prol da sensação de ser parte de uma comunidade imaginada, imagina os répteis, não é mesmo?
Pois é assim que Saltwater: A Batalha Pela Ilha Ramree se desenvolve. Somos apresentados aos poucos personagens, depois descobrimos que eles estão perdidos. Os crocodilos se revelam como uma ameaça constante e até o desfecho, um a um, os soldados são tragados pela natureza voraz dos impiedosos animais. O problema? Nós praticamente não os contemplamos. Os seres rastejantes quase não aparecem e, quando estão em cena, a câmera da direção de fotografia esverdeada e aparentemente cheia de musgos, uma provável busca por emular a atmosfera da selva, nos mostra tais seres distantes, numa montagem que parece associar as gravações para o filme com trechos aleatórios de crocodilos em seus locais de circulação na floresta, aparentemente extraídos de documentários ecológicos fotografados erroneamente. Matt Jantzen entrega uma trilha sonora inexpressiva, branda e sem força alguma para disfarçar a falta de qualidade geral do projeto. Junto a isso, temos o desenvolvimento nulo dos personagens. É a receita ideal para aqueles filmes que englobam as listas de “piores da história”.
Como a quintessência do drama, isto é, os personagens, ganham desenvolvimento precário, a nossa missão é no mínimo assistir e torcer para os crocodilos. Se eles aparecessem, no entanto, teríamos essa possibilidade. Mas cadê os bichos? Quando um ataque próximo ao final pretende expor a batalha entre a humanidade versus a animalidade, já estamos cansados e ainda assim, não há como deixar de ficar irritado com a passagem que foca em planos fechados no rosto do personagem e em outras partes de seu corpo, justaposta com closes nos dentes e olhos de algum crocodilo de brinquedo utilizado para as filmagens. Um horror, ecológico, dos piores. Assim é Saltwater: A Batalha Pela Ilha Ramree, filme que nada acrescenta ao profícuo subgênero que há décadas nos apresenta felinos, répteis, aves, tubarões e outras criaturas em situações de embate com a humanidade, narrativas que alegorizam a dominação da sociedade urbanizada em consonância com a destruição constante da natureza. Aqui, por sua vez, o “lance” não funciona.
A história por detrás do filme é bem mais interessante que qualquer um dos trechos da narrativa em questão. Conta-se que esse é o incidente mais desastroso envolvendo seres humanos e animais selvagens do tipo. Soldados japoneses foram devorados pelos répteis numa contabilidade aterrorizante: dos mil indivíduos que entraram na região pantanosa, apenas 20 deles saíram do local para contar suas traumáticas versões. Conhecida também como Operação Matador, a batalha durou de 14 de janeiro a 22 de fevereiro de 1945 e foi parte do que a história oficial registrou como a Segunda Grande Guerra Mundial. O evento bélico foi uma iniciativa do exército britânico, apoiado pelos militares do exército britânico indiano, com intuito de mudar os rumos da dominação japonesa na região. O naturalista Bruce Stanley Wright esteve no conflito e contou em suas publicações sobre os gritos de pânico e barulhos de armas de fogo na escuridão da densa floresta, relatos que se associam ao número de soldados dizimados no processo e delineiam a história da tenra sensação de horror. Infelizmente, o filme não deu conta do conteúdo.
Saltwater: A Batalha Pela Ilha de Ramree (Saltwater: The Battle for Ramree Island/Reino Unido, 2021)
Direção: Steve Lawson
Roteiro: Steve Lawson
Elenco: Charlie Bond, Steven Dolton, Ryan Harvey, David Hon Ma Chu, Glenn Salvage, Jas Steven Singh
Duração: 82 min