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Crítica | Saint-Narcisse

por Roberto Honorato
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Quando um filme procura uma abordagem mais irreverente e iconoclasta, ele costuma seguir dois caminhos. O primeiro é se entregar totalmente ao que propõe, sem medo de repercussões e sem aceitar limitações desnecessárias, algo que diretores como o insuperável John Waters sabem fazer muito bem, principalmente no começo da carreira. Mas o segundo caminho está cheio de intenções (sejam boas ou ruins), mas não parece abraçar completamente o que procura apresentar para o público, e esse é o caso de Saint-Narcisse, nova obra de Bruce LaBruce

Mais conhecido por seus longas independentes que exploram temas interessados em desmembrar os costumes de uma sociedade muitas vezes reprimida por conta de tabus sexuais, dessa vez LaBruce recebe um orçamento e produção maiores do que o padrão, mas ele parece ter se contido mais do que o necessário, talvez até o ponto de ter perdido parte de sua identidade.

É a década de 1970 e Dominic é um jovem de 22 anos com um fetiche que envolve sentir atração por seu próprio corpo, tanto que dedica parte do dia a se admirar em espelhos e fotografar sua beleza. Depois da morte de sua avó, Dominic tem um inesperado reencontro com membros de sua família, que podem revelar informações importantes de seu passado nebuloso, incluindo o fato dele ter um irmão gêmeo, Daniel, que possui uma vida completamente diferente da sua, vivendo involuntariamente em um monastério ao lado de um padre com más intenções.

Com uma proposta dessas, apenas a primeira parte (inspirada no mito de Narciso) já seria o suficiente para render um longa original e com chances de desenvolver um estudo de personagem intrigante, mas a introdução de todos os outros elementos acaba sendo o maior erro do longa, que tenta equilibrá-los de maneira que possa criar um certo paralelo entre os núcleos dramáticos e os temas, mas na maior parte do tempo ficamos com uma ideia interessante e diversos elementos que chegam a funcionar até certo ponto, mas apenas independentemente, assim o resultado é uma execução previsível.

Com três núcleos dramáticos principais e diversas subtramas, Saint-Narcisse tenta uma abordagem que alterna entre uma sátira de dogmas religiosos e um dramalhão com tantas reviravoltas que deixa óbvia a intenção do diretor em criar um tom mais novelesco para os personagens; mas enquanto tenta estabelecer esse contraste entre comédia e drama, LaBruce parece completamente perdido, chegando a apelar para repetir e tentar destacar – através de uma montagem desnecessariamente picotada e cheia de inserções bruscas e inconvenientes – o que ele imaginou que pudesse ser uma revelação capaz de surpreender o espectador a ponto de mantê-lo investido no resto da história, o que não acontece, já que as diversas subtramas distraem demais, são longas e entediantes.

Convenientemente, Saint-Narcisse é tão superficial quanto o mito que inspira o próprio título. A proposta de Bruce LaBruce em abordar tópicos tabu de forma mais satírica chega a ser boa, mas ela cai por terra quando seu longa não as assume por completo e começa a se levar a sério demais, ao ponto de ficar quase didático e perder não só a graça, como sua personalidade. 

Saint-Narcisse (Canadá / Itália, 2020)
Direção: Bruce LaBruce
Roteiro: Martin Girard, Bruce LaBruce
Elenco: Félix-Antoine Duval, Tania Kontoyanni, Alexandra Petrachuk, Andreas Apergis, Gabrielle Boulianne-Tremblay, Michael Czyz, Michel Eid, Cameron Geller, Jillian Harris
Duração: 101 min.

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