Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Saguaro – Vol.4: Irmãos de Sangue

Crítica | Saguaro – Vol.4: Irmãos de Sangue

Exploração indevida de terras indígenas.

por Luiz Santiago
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O andamento das animosidades locais, levantadas nas edições Sombras no Escuro e A Picada do Cobra, chegam a essa fase da vida de Saguaro com uma pequena guerra repleta de dilemas político-sociais (e que para algumas leituras serão entendidos também como “dilemas morais“). O título Irmãos de Sangue cai muito bem à problemática central, que opõe o protagonista a um antigo amigo de infância e adolescência, mas essa também não é a verdadeira linha de abordagem do quadrinho. Aqui, o roteirista Bruno Enna se distanciou das ótimas abordagens feitas nas aventuras citadas anteriormente, e até mesmo na trama de estreia, Retorno a Window Rock, consideravelmente melhor que esse quarto volume da série.

O texto começa indicando o fim da revolta de Wounded Knee, mas chama a atenção para o fato de que as sementes da rebelião estão crescendo entre os jovens Navajo, fomentando um clima de guerra contra a polícia branca e os agentes do governo. É claro que o encerramento das ocupações do vilarejo na Dakota do Sul tem seu papel na lembrança dos grupos locais, que usam dessa experiência como combustível ideológico para chamar atenção à sua causa. No decorrer do quadrinho, Saguaro fica de frente para um perigoso grupo extremista, que tem causado dor de cabeça não só para o Departamento policial, mas para o chamado Conselho Tribal. A questão é que os líderes da revolta querem causar problemas, jogando iscas perigosas para a imprensa, a fim de dar voz a causas sufocadas ou simplesmente ignoradas pelos meios de comunicação e por todos os que não são afetados por esses problemas.

Essa discussão é certamente a melhor coisa do quadrinho. Sob a arte ótima arte de Alessandro Pastrovicchio, percebemos o quanto os povos originários dessa localidade sofrem nas mãos das mineradoras (que simplesmente abandonaram um território radioativo no meio da reserva, causando a morte prematura de dezenas, por leucemia, e a má formação de inúmeros bebês), um problema constantemente ignorado pelo Conselho Tribal. A trama se passa nos Estados Unidos, em 1973, mas a problemática é atemporal e se encaixa perfeitamente em qualquer país do mundo que tenha como herança esse tipo de relação entre povos nativos e descendentes de colonizadores. O mercado, sempre voltado para a exploração desumana, força politicamente os setores governamentais que passam por cima de todas as regras e leis possíveis, favorecendo empresas, invadindo reservas, contaminando solo, dizimando biomas e matando pessoas. Não nos esqueçamos que no Brasil essa sempre foi a tônica das relações, tendo em tempos recentes (2018 – 2021) um reforço oficial dessa destruição, amparada pelo governo federal, seus ministros e secretários diretos.

A grande questão é: diante de tal cerco, o que deve ser feito? Embora seja difícil aprovar a atitude dos extremistas aqui — até porque está claro que existe outra intenção para além das causas da reserva –, é perfeitamente possível entender o princípio de tal tomada de atitude. A violência condenável do final é apenas o resultado de problemas acumulados ao longo dos anos. Uma resposta mortal e questionável, mas historicamente motivada, para um programa estatal de roubo e morte de tesouros da terra e de pessoas. No fim das contas, não é exatamente um dilema moral, não é mesmo? É a última consequência das ações de um sistema parasitário que nunca assume a responsabilidade dos colossais horrores que causa, sempre transferindo a culpa — e com a ajuda da grande mídia, por ele controlada — para o lado mais fraco da corda, não dificilmente encontrado, como nesse caso, agindo de maneira agressivamente mortal, “criando a justificativa” da repressão oficial.

Saguaro – Vol.4: Irmãos de Sangue (Itália, setembro de 2012)
No Brasil:
Saguaro n°1 (julho de 2022) – Editora 85
Roteiro: Bruno Enna
Arte: Alessandro Pastrovicchio
Capa: Davide Furnò
100 páginas

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