- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais volumes.
Dando o maior salto temporal até esse ponto da história, o sexto volume do épico sci-fi para adultos Saga, da dupla Brian K. Vaughan e Fiona Staples, começa revelando que Klara, Hazel e Lexis, esta a única sobrevivente do grupo revolucionário convocado por Dengo, foram capturados por uma fragata do Reino Robô e, graças à esperteza da avó guerreira, enviados para um centro de detenção para não-combatentes em Landfall, onde permanecem aprisionadas, mas com Hazel e outras crianças de Wreath ganhando educação graças à dedicação da Senhorita Noreen, uma compreensiva professora insectóide. Com Hazel agora uma jovenzinha particularmente esperta, a narração em off dela já mais velha, apesar de continuar, ganha mais “cores” com sua efetiva entrada na história no que podemos chamar de tempo real e isso dá um sabor todo especial ao arco.
Para mim, é a presença de Hazel como personagem que participa e, na verdade, impulsiona a história, já que ela acaba revelando sua natureza híbrida para a professora, que decide ajudá-la a escapar, que é realmente o destaque principal na evolução da narrativa de Vaughan. A criança – que talvez possamos chamar de a verdadeira protagonista – faz a ponte entre a professora, sua avó Klara, a aliada Lexis e a prisioneira de Wreath Petrichor, que tem órgãos genitais feminino e masculino. Trata-se de uma história fundamentalmente autocontida que tem a principal função de mostrar a maturidade naturalmente acelerada de Hazel em razão de tudo o que viveu, a adaptação de sua avó à vida ali entre seus pares a ponto de ela tatuar seu corpo, ler livros para os demais detentos e, ao final recusar-se a ir embora com o filho, de certa forma libertando-o desse cordão umbilical.
Falando em Marko, ele e Alana vem atuando juntos assaltando bancos e outras empresas e órgãos governamentais de diferentes planetas não só para sobreviver, mas, também, como parte de seu plano macro continuado de localizar o restante de sua família. Quando os vemos logo na edição #32, sua aparências foram bem modificadas – ele com barba e ela com cabelo colorido – invadindo um complexo no planeta Variegate, responsável pelos arquivos de todos os prisioneiros da coalização de Landfall. Da forma como o roteiro é escrito e a ação conduzida, bem no estilo de heist movie, fica fácil para o leitor perceber que se trata de uma última perna de um plano complexo para descobrir o paradeiro de Hazel e Klara, com resultado positivo, ainda que não sem seus percalços. O sucesso do casal leva os dois a, depois de anos, transarem pela primeira vez e, ato contínuo, partirem para recrutar o ex-Príncipe Robô IV, agora vivendo isolado com seu filho e Ghüs em um planeta remoto, de forma que ele possa ajudá-los a invadir a prisão, algo que ele concorda fazer somente depois de muita hesitação e muita demonstração de rabugice.
Paralelamente a esses eventos convergentes com final feliz, temos mais desenvolvimento do casal de jornalistas Doff e Upsher, do planeta Jetsam. Com a violenta morte de A Mácula, algo que eles somente descobrem muito tempo depois, o feitiço que os impedia de falar ou escrever sobre Alana, Marko e Hazel evapora e eles, então, anos depois, reiniciam a investigação para descobrir o paradeiro dos amantes proibidos e sua “prole-aberração”, o que os leva à morcego-humanoide Ginny com quem Marko quase teve um caso e, depois, à nave-caveira de The Stalk usada por Príncipe Robô IV depois de matar a caçadora de recompensas aracnídea. O problema é que O Querer, agora obeso e falando constantemente com o “fantasma” de sua amante morta sem mais conseguir separar realidade de ficção, chega no mesmo lugar exatamente na mesma hora – na única conveniência de roteiro que não gostei, confesso, mas que, no cômputo geral, não é um problema – e usa a dupla para descobrir em que planeta, afinal, IV se escondera.
Com isso, enquanto uma família é reunida, outra é separada novamente, já que O Querer se apodera momentaneamente de Squire, filho de IV, enquanto o pai está ajudando Alana e Marko, com a única voz da razão sendo a aparição de sua irmã Sophie – ou A Mácula – em sua mente para equilibrar a tentação representada por The Stalk. Essa abordagem psquiátrica do depressivo caçador de recompensas é outro ponto alto do arco, já que isso subverte toda a imagem que temos de personagens desta natureza, normalmente tidos como durões e invencíveis. Aqui, temos um O Querer falho, profundamente marcado e traumatizado pelas perdas de sua amante e irmã e obcecado com uma vingança que sequer faz sentido a esse ponto.
Curiosamente, Vaughan deixou a pequena Sophie, que O Querer salvou de Sextillion, e Gwendolyn, ex-noiva de Marko, completamente de fora do arco. Não é que elas necessariamente façam falta aqui, pois os arcos paralelos e convergentes mantêm o ritmo narrativo constante e quase viciante, daqueles que torna difícil parar de ler sequer para beber água, mas é sem dúvida uma ausência de monta considerando tudo o que foi feito para desenvolver as duas até o volume anterior. Mas, claro, elas voltarão.
Mais uma vez, apesar de ser, talvez, uma quase imperceptível fração menos do que perfeito, o sexto arco de Saga reúne o casal principal com sua filha depois de anos, com direito à revelação surpresa que Alana está novamente grávida, e constrói conexões muito interessantes para serem usadas no futuro, como a continuada aliança deles com IV, a provável aproximação de Upsher e Doff de seus investigados, O Querer seguindo seu próprio caminho, e, claro, a permanência de Klara no complexo prisional estabelecendo outras conexões. Ao mesmo tempo que a dupla criativa expande seu universo, ela o mantém pessoal, abordando relações humanas de maneira exemplar em um mundo rico e quase sem comparação na Nona Arte.
Saga – Volume Seis (Saga – Volume Six – EUA, 2015/16)
Contendo: Saga #31 a 36
Roteiro: Brian K. Vaughan
Arte: Fiona Staples
Letras: Fonografiks
Editora (nos EUA): Image Comics
Data original de publicação: novembro de 2015 a abril de 2016
Editora (no Brasil): Editora Devir
Data de publicação no Brasil: julho de 2018
Páginas: 152