- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais volumes.
Depois de 54 incríveis edições publicadas entre março de 2012 e julho de 2018, compreendendo nove arcos narrativos compilados no mesmo número de encadernados (e, nos EUA, também em três encadernados de capa dura e um compêndio brochura contendo todo o material), Brian K. Vaughan e Fiona Staples pegaram todo mundo de surpresa ao anunciarem que sua criação entraria em hiato. No entanto, o que inicialmente era para ter durado apenas um ano, levou longuíssimos três anos e meio, com a segunda metade do épico sci-fi – a dupla já anunciou que serão 108 edições no total – retornando somente em 26 de janeiro de 2022, também como parte da comemoração dos 30 anos da Image Comics, inegavelmente a melhor editora de quadrinhos dos EUA.
Vaughan e Staples correram muitos riscos, claro. Qualquer hiato em uma publicação de quadrinhos é arriscado, pois tem o potencial de afastar os leitores que podem decidir enveredar por outros caminhos. Um hiato de tanto tempo assim é potencialmente seríssimo, já que pode gerar o completo esfriamento do interesse sobre uma série mensal, por melhor que ela possa ser. E, em cima dessa característica inerente, tivemos – e ainda temos – a pandemia, algo que ninguém poderia prever, outro elemento que pode ter influência no retorno de uma publicação como essa. Dito isso, espero com todas as forças que Saga sobreviva a esses desafios e continue prosperando, permitindo que a história chegue ao seu final planejado, sem cancelamentos a destempo.
E eu digo isso não só porque Saga é a melhor publicação mensal de quadrinhos ocidentais desde que foi lançada, como seu retorno, agora, com a aguardadíssima 55ª edição, deixa muito evidente que Vaughan e Staples continuam sabendo muito bem o que estão fazendo, pois a usual qualidade extremamente alta é mantida como se a edição anterior tivesse sido lançada no mês passado. Como isso é possível? A única resposta que tenho para dar é simples: trabalho e talento. Fica novamente evidente que eles têm um planejamento claro do caminho que desejam fazer Hazel e companhia trilhar e que, mais importante ainda, eles não estão dispostos a seguir a estrada mais viajada, mais agradável e mais simples. Saga sempre foi e, fico feliz em afirmar mais uma vez, um quadrinho profundamente autoral carregado de questões relevantes de cunho sociopolítico e econômico que tem como pano de fundo uma guerra devastadora pelo universo e sem que a narrativa se furte de abordar violência e sexo de maneira explícita e desafiadora.
Sobre a edição em si, Vaughan e Staples fizeram cirurgicamente o que precisavam fazer depois de tanto tempo, ou seja, focar em apenas um núcleo, o principal, de forma a reaclimatar os leitores e passar as informações essenciais para catapultar esse novo momento na história. A primeira informação é a passagem temporal. Assim como o hiato, três anos se passaram na história e Hazel tem, agora, recém-completados 10 anos de idade e um bom domínio da magia e da habilidade de voar. A segunda informação é triste, pois recebemos a confirmação inequívoca da morte de Marko, assassinado pelas costas pelo O Querer ao final do arco anterior. Portanto, o núcleo central, agora, é formado por Alana, que se tornou contrabandista e, pior, traficante de drogas, Bombazine, simpático personagem novo, todo grandalhão e com um braço mecânico que trabalha com ela, Squire que, depois da morte de seu pai, não fala mais e precisa de acompanhamento psicológico, tendo sido integralmente adotado por Alana, e, claro, Hazel, que vem se transformando a olhos vistos em uma menina inteligente, habilidosa e extremamente independente. Todos continuam morando na árvore-foguete e pulando de mundo em mundo na medida do necessário.
Todo esse novo status quo nos é informado fluidamente ao longo de grande parte da edição de tamanho avantajado (mas com preço de edição normal e sem aquele tipo de lançamento cheio de fogos de artifício que se espera de publicações assim como por exemplo múltiplas capas variantes e outras inutilidades do gênero), com Hazel furtando um pen drive de música e correndo pelo planeta onde estão e dando de cara com um destacamento de soldados de Aterro e Alana usando seus peitos – literalmente – para vender fórmula de bebê para mães com filhos pequenos. Há o tradicional uso da narração em off de uma Hazel mais velha contando sua história, assim como a Hazel do “presente” (ou seria passado?) interagindo com os demais personagens de forma eficiente, com Vaughan mais uma vez sabendo dar voz à jovem e, mais ainda, alterá-la de acordo com seu progressivo amadurecimento.
A arte de Staples continua com a mesma qualidade de sempre e falar sobre ela é, basicamente, chover no molhado. Os novos personagens, especialmente Bombazine, inspirado em um urso coala, são grandes acertos, assim como a forma como a desenhista contrasta a violência de atos extremados, como a violência de soldados e da polícia, ou uma mulher-bomba de Grinalda que se explode diante de Hazel, com situações de puro prazer como é ver a pequena Hazel alçando voo para fugir ou o comicamente chocante momento em que somos brindados pelos peitos nus de Alana que são usados basicamente como peças publicitárias de seu negócio de venda de fórmula de bebê.
O usual sexo explícito se faz presente também, mas apenas na única sequência que sai do foco do núcleo central e que reapresenta O Querer, agora novamente um caçador de recompensas que usa como transporte aquela “nave casa” da finada Ianthe, chegando à Grinalda com a cabeça de Marko (outro momento chocante, mas esse nada cômico) para entregá-la para Gwendolin que reage com felicidade extrema e uma sessão de sexo com o caçador basicamente no meio da rua. Só isso já deixa evidente que O Querer continua inamovível em sua missão de exterminar a família “híbrida” e posiciona Gwendolin como uma mulher cruel, vingativa e, agora, nos altos escalões políticos de sua lua.
A espera foi longa – muito longa! – mas Saga é Saga, não tem jeito. É outro patamar de quadrinhos. Brian K. Vaughan e Fiona Staples, além de Fonografiks no não menos importante trabalho de letreiramento da série, continuam em forma, continuam mostrando maestria na arte de contar histórias e continuam encantando seus leitores antigos como eu e, espero, atraindo novos para essa magnífica e, diria, incomparável HQ de ficção científica. Chegamos, finalmente, ao começo do fim e ele não poderia ter sido melhor!
Obs: A presente crítica da edição #55 é comemorativa do retorno de Saga. Somente retornarei ao material e à crítica assim que o 10º arco narrativo for encerrado nos EUA, mesmo não tendo sido ainda publicado no Brasil.
Saga #55 (EUA, 2022)
Roteiro: Brian K. Vaughan
Arte: Fiona Staples
Letras: Fonografiks
Editora original: Image Comics
Data original de publicação: 26 de janeiro de 2022
Páginas: 47