Dois anos antes do execrável Esquadrão Suicida e no mesmo ano do ótimo Corações de Ferro, David Ayer foi responsável pelo segundo filme protagonizado por Arnold Schwarzenegger depois de sua carreira política como governador da Califórnia (considero o austríaco um coadjuvante em Rota de Fuga), na continuada tentativa até hoje infrutífera de o ator reerguer sua carreira no Cinema. No lugar da pegada mais anos 80 de seu O Último Desafio, em que ele basicamente interpreta um xerife invencível tendo que lidar com a absurda fuga de um chefão do cartel de drogas mexicano, Sabotagem é uma tentativa de se fazer um drama policial mais sério e sombrio, com o ator tentando emplacar com um personagem um pouco mais denso e consideravelmente diferente daquilo que ele estava acostumado a interpretar.
No longa, Schwarzenegger vive John ‘Breacher’ Wharton, o líder corrupto de uma equipe de operações especiais do DEA que lidera seu grupo em uma missão no armazém de um cartel mexicano (sim, de novo) com duplo objetivo: o oficial, que é recuperar dinheiro ilegalmente obtido e o extraoficial, que é, no processo, roubar 10 milhões desse dinheiro para eles. A sequência inicial, em que vemos o transcorrer dessa operação, é brutal, frenético e, ainda que um tanto quanto “tremida”, muito eficiente ao combinar ação com objetivos narrativos, pois estabelece de imediato as personalidades de cada um dos policiais e a conexão muito próxima entre eles, valendo especial destaque para a agente infiltrada Lizzy Murray, vivida intensamente pela sempre ótima Mireille Enos. Ao final, o dinheiro roubado desaparece, frustrando todos os envolvidos e, em seguida, levando Breacher e, consequentemente os demais, a uma investigação de meses pelo departamento em que o líder passa a fazer trabalho de escritório e seus subordinados passam a sofrer preconceito de toda ordem de seus colegas.
É, definitivamente, um começo que prende a atenção do espectador e cria uma tapeçaria até engenhosa que promete muita coisa interessante, até porque ver Schwarzenegger como um policial corrupto é uma razoável novidade mesmo que sua atuação não varie muito entre o que ele faz aqui e em seus outros filmes mais famosos. Quando o roteiro, porém, envereda pelo caminho de uma adaptação longínqua de E Não Sobrou Nenhum, de Agatha Christie, por mais inusitado que isso possa ser, com os membros da equipe de Breacher sendo misteriosamente assassinados um a um no estilo dos mercenários normalmente contratados pelo cartel que fora roubado por eles, a narrativa começa a desandar e a depender demais do elemento “choque”, aqui caracterizado por momentos saídos diretamente de filmes de horror que Ayer não sabe usar direito.
Uma coisa é a direção lidar de maneira explícita com mortes ritualísticas típicas de esquadrões da morte, outra bem diferente é essas mortes tomarem a frente de uma história que, na medida em que caminha – ou parece caminhar – para a frente, torna-se mais rasa. Afinal, usando apenas um exemplo, ver os detalhes de uma massa disforme de órgãos e vísceras em O Enigma de Outro Mundo ou talvez em algum slasher particularmente macabro ou, ainda, em um filme policial da categoria de Seven – Os Sete Crimes Capitais é algo perfeitamente esperado, mas, em Sabotagem, isso é simplesmente deslocado, presente unicamente para dar aquela impressão de maturidade para quem confunde filme adulto com filme violento e deixando evidente aquilo que realmente é, ou seja, um artifício bestaloide e inútil para chamar atenção do espectador.
Nem mesmo a adição de outra boa atriz ao elenco, Olivia Williams como a detetive Caroline Brentwood que passa a investigar as mortes, ajuda muito na forma desnecessariamente explícita com que Ayer lida com as mortes. E, podem ter certeza, não estou sendo pudico ou coisa parecida, pois os filmes que citei acima como exemplos do uso correto de violência gráfica são espetaculares. É, apenas, uma questão de atmosfera e propósito, já que o cineasta, em momento algum realmente justifica sua câmera quase sádica, desejosa de momentos bizarros com baldes de sangue e pedaços de corpos humanos.
E é uma pena, pois o roteiro de Sabotagem, se olharmos de maneira mais distante, sem entrar nos detalhes de sua execução, conta uma boa história, com pelo menos três bons personagens, não coincidentemente os únicos que citei na presente crítica. O que faltou a Ayer foi mesmo acertar o tom e usar seus atores a favor da narrativa e não apenas como vítimas dela. Enquanto Enos é sem dúvida o destaque absoluto em termos de atuação, com um papel até mesmo desafiador que acaba mal aproveitado, Williams vem logo atrás com sua policial madura, mas ao mesmo tempo inocente, com Schwarzenegger fechando a trinca não pela dramaturgia, obviamente, mas sim por seu carisma e pelo inusitado em vê-lo em um papel assim, ainda que o roteiro faça das tripas coração (diria que literalmente até) para contextualizar suas ações nefastas.
Sabotagem acaba, portanto, se sabotando (obviamente que eu não tinha como resistir…) ao transformar um roteiro promissor de whodunit em um filme que acaba não tendo personalidade ou certeza do que quer ser entre uma obra policial, um veículo para Schwarzenegger tentar algo diferente, um semi-slasher ou, simplesmente, um festival genérico de sangue e entranhas, resvalando em um torture porn. David Ayer sempre foi um diretor irregular e, aqui, ele infelizmente não consegue aproveitar o material que tem para elevar sua obra acima da linha mediana.
Sabotagem (Sabotage – EUA, 2014)
Direção: David Ayer
Roteiro: Skip Woods, David Ayer
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Sam Worthington, Olivia Williams, Mireille Enos, Kevin Vance, Joe Manganiello, Harold Perrineau, Martin Donovan, Max Martini, Josh Holloway, Troy Garity, Terrence Howard
Duração: 109 min.