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Crítica | Rustin

Tirando Bayard Rustin das sombras da história.

por Ritter Fan
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Martin Luther King Jr. tem seu nome merecida e profundamente enraizado no movimento dos direitos civis para os afro-americanos e diversas outras causas semelhantes. Bayard Rustin, por outro lado, quase ninguém realmente conhece, ainda que ele não só tenha sido fiel amigo de King, como também, de certa forma, seu mentor no que se refere à sua tão comentada e também tão criticada política de não violência. Bayard, como ativista, organizou diversas marchas importantes para o movimento, mas, por ter gay, acabou atuando muito mais nas sombras para não esvaziar os esforços por uma causa que não precisava muito para ser descarrilada. Rustin, produção de 2023 dirigida por George C. Wolfe no trabalho seguinte ao seu excelente A Voz Suprema do Blues, também uma cinebiografia, vem para mirar os holofotes nesse importante personagem histórico que jamais havia sido elevado ao palanque cinematográfico como merecia.

Com base em roteiro de Julian Breece (estreando em longas) e Dustin Lance Black (que escreveu, dentre outros,  Milk: A Voz da Igualdade e J. Edgar), Wolfe coloca em tela uma obra que não tem nem de longe a ousadia estética de seu longa anterior, mas que conta com um potente trabalho dramático de Colman Domingo no papel título e que o diretor usa em todo o seu esplendor. Em termos estruturais, Rustin é o que estamos acostumados a esperar de uma cinebiografia. Há a escolha de um recorte específico, que é a organização da ambiciosa e gigantesca Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, que, em 1963, reuniu 250 mil pessoas ao redor do espelho d’água em frente ao Memorial a Lincoln, em Washington D.C. e ajudou sobremaneira na aprovação da Lei de Direitos Civis americana no ano seguinte que, pelo menos no papel, finalmente equalizaria todos, independente da raça, cor, religião, sexo e nacionalidade e há a abordagem cronológica ao redor desse evento que ganha um preâmbulo que não só “qualifica” Rustin como um ativista negro e gay, como lida com o momento em que a amizade dele com King foi estremecida por jogadas políticas intramuros.

O que segue desse início, portanto, já vimos antes dúzias e dúzias de vezes, mas George C. Wolfe mostra que, mesmo diante do apenas básico, arregaça as mangas para fazê-lo muito bem, mantendo o ritmo narrativo apertado e constante, mesmo tendo que lidar com um elenco razoavelmente grande com nomes como Aml Ameen como King, o veteraníssimo Glynn Turman como A. Philip Randolph, que apoia Rustin desde o início e Chris Rock como Roy Wilkins, líder da NAACP que é contra a demonstração. Há uma cadência narrativa que, independente de outros fatores, torna fácil assistir o filme e, mais do que isso, consegue lidar com seus temas, notadamente as tensões entre as lideranças afro-americanas (Jeffrey Wright como o poderoso e manipulador deputado federal Adam Clayton Powell Jr. que, vale dizer, é vivido de maneira muito semelhante por Giancarlo Esposito na série Godfather of Harlem, é peça chave nessa linha narrativa) e a homossexualidade de Rustin, de maneira encadeada e lógica, mantendo cada linha narrativa constantemente ativa e em franco desenvolvimento até o final.

Obviamente, porém, que o grande destaque é mesmo Colman Domingo, ator que conheci enquanto acompanhava por intermináveis oito anos a fraquíssima série Fear the Walking Dead, mas que, mesmo lá, entre zumbis com e sem maquiagem, já mostrava que era facilmente um destaque entre seus pares. Aqui, com o espaço que Domingo tem tanto em termos de minutagem quanto em termos de bons diálogos e cenas, o ator realmente mostra todo seu enorme potencial de abraçar seus personagens sem reservas e com todo o seu coração, construindo um Bayard Rustin emotivo e romanticamente complexo, mas também explosivo e carismático, capaz de coordenar as massas apenas com seu vigor pela causa que defende com unhas e dentes.

Com uma reconstrução de época cuidadosa em termos de figurinos, maquiagem e penteados, mas sem jamais chamar atenção demasiada para esses elementos (como acontece com Golda – A Mulher de uma Nação, só para falar de outra cinebiografia recente), o que contribui para a naturalidade imagética do longa, Rustin conta uma história conhecida por um ângulo desconhecido, finalmente fazendo jus a um nome que permaneceu por tempo demais à margem da história. Bayard Rustin engrandeceu a causa por que lutou e Colman Domingo vem para engrandecer o personagem histórico nas telas.

Rustin (Idem – EUA, 17 de novembro de 2023)
Direção: George C. Wolfe
Roteiro: Julian Breece, Dustin Lance Black (baseado em história de Julian Breece)
Elenco: Colman Domingo, Aml Ameen, Glynn Turman, Chris Rock, Gus Halper, Johnny Ramey, CCH Pounder, Michael Potts, Audra McDonald, Jeffrey Wright, Lilli Kay, Jordan-Amanda Hall, Jakeem Powell, Ayana Workman, Grantham Coleman, Jamilah Rosemond, Jules Latimer, Maxwell Whittington-Cooper, Frank Harts, Kevin Mambo, Carra Patterson, Da’Vine Joy Randolph, Adrienne Warren, Bill Irwin
Duração: 106 min.

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