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Crítica | Ruptura – 2X10: Cold Harbor

A rebelião dos internos.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da segunda temporada e, aqui, da série.

Como esperado, o desfecho da temporada foca integralmente em Mark tentando salvar Gemma do seu cativeiro macabro, fruto das amarras de pontas soltas e das preparações dos dois últimos episódios. Assim, Cold Harbor justifica – mas não repara – os problemas de Sweet Vitriol e The After Hours, com os sacrifícios narrativos de ambos os episódios, seja com o estabelecimento chave de Cobel, seja com o fechamento de várias subtramas, dando base para o final dessa temporada poder fluir de maneira bastante similar ao último episódio do ano de estreia: um escalonamento de tensão e intensidade cheio de revelações que chegam em um gancho avassalador. Só espero que não tenhamos que aguardar três anos para a próxima temporada, por mais que, de maneira geral, eu defenda hiatos maiores em prol de melhores histórias.

Para salvar Gemma, Mark precisa da ajuda do seu interno, o que acaba sendo o excelente pontapé do episódio: o encontro dos Marks. Isso tinha sido insinuado no cliffhanger da casa que tem a mesma tecnologia da Lumon, mas é incrível ver a cena se desenrolar, com o encontro rapidamente se tornando uma discussão fervorosa entre um marido que quer salvar sua esposa e um homem que não quer perder sua existência ou sua amada. É complexo, trágico, filosófico e fascinante assistir o debate de identidade, pertencimento e individualidade que permeia a situação do protagonista, incluindo diálogos e monólogos afiados, com destaque para o momento em que o interno questiona se sua personalidade não seria diluída durante o procedimento da reintegração, algo que, confesso, não tinha parado para refletir. Olhando retrospectivamente, não gosto de como a obra ficou nos enganando e requentando a finalização da reintegração (só de lembrar daquela conveniência ambulante da Reghabi, sinto raiva…), mas esse episódio demonstra a importância de isso ter ficado no ar, tanto nesse cena inicial, quanto mais pra frente no episódio, como abordarei.

A grande revelação do encontro acaba partindo de Cobel, que finalmente explica o que é o trabalho do interno. Como era até facilmente suspeito, os arquivos têm relação com Gemma ganhando diversos internos, perdendo sua identidade e, com a finalização do Cold Harbor, aparentemente tendo suas emoções suprimidas, o que fica evidenciado no teste do berço, em razão do luto da personagem. Penso que é uma resposta orgânica, em linha com os temas sobre zumbificação e perda do eu que seguem a narrativa, mas é difícil não sentir que fomos um pouco trapaceados. A exposição aqui nada mais é do que uma peça de um quebra-cabeça muito maior, porque ainda não sabemos quais são os interesses da empresa, porquê Gemma teria que morrer depois disso, qual é o papel de Kier em tudo isso e, mais importante do que todos esses questionamentos, o que significa a participação dessas malditas cabras? rs. Brincadeiras à parte, sei que meu comentário pode parecer impaciente, mas não é um ponto necessariamente negativo, só um receio de que a série possa estar esticando demais algumas perguntas e deixando seu mistério maior um pouco longe demais, mas veremos o que o futuro nos reserva.

Voltando para Lumon, temos o início da balbúrdia. Acho o começo ritualístico para a finalização do Cold Harbor absolutamente fantástico, começando pelas comemorações e apresentações hilárias de Milchik e companhia. Aqui, temos o retorno de um dos elementos que tenho sentido falta nessa segunda temporada: a sátira do capitalismo e os comentários críticos bem-humorados sobre corporações. Quem já fez parte de alguma firma ou empresa, reconhece facilmente os paralelos da festinha, com aqueles happy hours cheios de momentos constrangedores, discursos embaraçosos de chefes que todo mundo odeia e, claro, muita falsidade no ar. A forma como o texto transita do humor para o suspense com pinceladas de horror é notável, com as esquisitices ganhando um corpo de tensão à medida que o Mark interno começa a procurar a Gemma. Tenho algumas ressalvas com as facilidades nesse bloco, como o fato da Lumon ter uma segurança horrorosa ou então como a personagem de Gwendoline Christie é outra conveniência ambulante, mas de maneira geral, temos outra aula de direção e de narrativa com a intensidade crescente à medida que Mark, Helly e Dylan (não nos esqueçamos dele, que inclusive tem uma cena agridoce que conclui bem seu arco) iniciam uma fuga e uma inusitada rebelião dos internos, o que é uma ideia central muito boa para a próxima temporada.

Na reta final, temos uma descida ao inferno. Diversos momentos chamam a atenção durante o clímax, como as transições de externos e internos nas salas e elevadores; o inesperado uso de violência física e gore, mas que se mostrou apropriado dentro do drama e do suspense, especialmente nas sequências com o Sr. Drummond; a já exaustivamente elogiada parte técnica da produção, com outro trabalho cuidadoso de Ben Stiller; e, claro, o reencontro de Mark e Gemma, em uma das sequências mais bonitas de toda a série. Em uma determinada crítica, citei minha suspeita de que a obra tem inspiração na lenda de Orfeu e Eurídice. Para quem não conhece, o mito acompanha Orfeu tentando salvar sua amada do submundo. Após descer ao mundo dos mortos, Hades e Perséfone concedem o desejo de Orfeu para levar sua esposa de volta, mas com a condição de que o mesmo não olhasse para Eurídice até chegarem ao mundo superior (he, he). Infelizmente, Orfeu fica desconfiado e olha para trás, condenando-a ao submundo, o qual ele se junta a ela depois de morrer. Penso ser óbvio o paralelo para a escolha do Mark interno, que decide ficar no inferno com quem verdadeiramente ama – o desespero de Gemma é palpável, com a mesma facilmente se tornando a figura mais trágica da série. A decisão pode ser considerada egoísmo, autonomia, amor, justa ou injusta, mas com certeza faz sentido dentro do arco do personagem, que anda de mãos dadas com sua amada em direção ao caos, quem sabe para liderarem uma revolução – dessa vez real – dentro da Lumon.

Ruptura (Severance) – 2X10: Cold Harbor | EUA, 21 de março de 2025
Criação: Dan Erickson
Direção: Ben Stiller
Roteiro: Dan Erickson
Elenco: Adam Scott, Zach Cherry, Britt Lower, Tramell Tillman, Dichen Lachman, John Turturro, Bob Balaban, Alia Shawkat, Stefano Carannante, Sarah Sherman, Christopher Walken, Patricia Arquette, Jen Tullock, Michael Chernus, Sarah Bock, Ólafur Darri Ólafsso, Robby Benson, James LeGros, Jane Alexander, Gwendoline Christie
Duração: 75 min.

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