Não se enganem pela nota acima – que é só um detalhe, vale lembrar – porque Trojan’s Horse é um episódio muito importante, talvez menos impactante ou efetivo do que as entradas da temporada até aqui, mas igualmente cuidadoso com a narrativa, bem dirigido, bem produzido e bem atuado. A questão é que o roteiro de Megan Ritchie tem uma abordagem de maior exposição e de preparação, no que é um episódio que repousa nos acontecimentos de Woe’s Hollow e organiza diversas peças para os próximos capítulos. Não diferente dos últimos episódios, porém, Trojan’s Horse tem um desfecho enlouquecedor que manterá toda a audiência teorizando até a próxima sexta.
Aliás, falando de teorias, devo dizer que tem sido muito divertido ficar tentando entender o quebra-cabeça da história semana após semana, com uma construção inquisitiva e engajante da narrativa para colocar a audiência nessa posição de curiosidade constante, e mais divertido ainda acompanhar as teorias nos comentários. Inclusive, um de nossos leitores, chamado Giovani, trouxe à tona que o grito de Irving para o Dylan tinha relação com o pôster “Hang in there!” da empresa, algo que se concretizou nesse capítulo, em que descobrimos um cartão com instruções para o Salão de Exportações deixado por Irving – os comentários estão virando praticamente spoilers! hahaha. Já faz alguns episódios que esse espaço da empresa vem sendo ressaltado, sendo que nesse episódio tivemos uma excelente abertura sinistra em torno do “entregador”, inclusive com flertes com o horror.
Grande parte do resto do episódio segue essa mesma abordagem sugestiva, posicionando alguns elementos e preparando alguns conflitos, que muito provavelmente serão recompensados posteriormente. Várias cenas chamam muita atenção nesse sentido, como o desenvolvimento da versão externa de Irving, que tem alguns segredos e que parece não ser muito diferente do Irving B que passamos a conhecer, sendo que a adição da versão externa de Burt traz algumas camadas intrigantes ao núcleo. Outro bloco bem interessante envolve o atrito entre Milchick e Huang (Sarah Bock em uma daquelas atuações mirins assustadoras), mostrando certos desentendimentos entre os dois e a maneira como enxergam os internos – a fala da criancinha sobre eles não serem pessoas é perversa e revela um pouco mais dessa personagem sempre desconfortável em cena. O próprio Milchik ganha outros momentos de destaque, como sua tensa e comicamente ácida revisão do trabalho, com o personagem assumindo uma posição ainda mais agressiva contra os internos, o que se concretiza na excelente cena de confronto com Mark S no elevador.
No entanto, a melhor cena do Milchick nesse episódio envolve seus questionamentos sobre os quadros de Kier com seu rosto, em insinuações do incômodo do personagem com o blackface e o racismo por trás do ato. Esses momentos de um desespero calmo e um descontentamento sutil dos empregados da Lumon me fazem questionar o que efetivamente é essa doutrina à Kier, até porque sabemos que os empregados não passaram pela ruptura, então essa veneração cega deve ter mais coisa do que unicamente algo dogmático. Todas as sequências em volta dos bastidores da empresa nesse episódio são bem irônicas e com aquele tipo de sátira cheia de tópicos desagradáveis, incluindo aí a rápida – mas ótima – sequência sobre o livro de Ricken e como o capitalismo selvagem faz com que todos entrem em linha e ajudem a máquina a continuar rodando, bem como Helena sendo obrigada a voltar a passar pelo procedimento de ruptura para que Mark continue trabalhando no Cold Harbor.
O retorno de Helly R vem em um momento delicado para os internos, que passam o restante do episódio lidando com o luto por Irving B em um funeral corporativo conceitualmente muito divertido e com as linhas de esquisitice da série – a cabeça de melancia é fantástica!. O roteiro se dedica a explorar um pouco dos sentimentos mistos entre o grupo, principalmente a raiva de Mark em torno de sua impotência. Mesmo sem nada de grande impacto dramático, gosto da progressão dramatúrgica do episódio, em especial a sequência que Helly e Mark se confrontam em meios às manipulações da Lumon. Com tanta coisa acontecendo no MDR – conflito entre Milchik e Huang; atrito entre Mark, Helly e Dylan; a mensagem secreta de Irving; a finalização do Cold Harbor; etc -, esse episódio deixa muita coisa bem engatilhada para os próximos episódios.
Trojan’s Horse não deixa os créditos rolarem sem um grande evento, porém. Logo no finalzinho do episódio, temos uma soberba sequência – da direção, a montagem, a atuação de Adam Scott, até a trilha sonora estarrecedora – que mostra Mark sofrendo os efeitos da reintegração e (re)vendo sua esposa. O texto deixa claro que o procedimento é gradual e que o protagonista ainda está em um processo de completude das suas versões, mas o desfecho retrata visualmente que os Marks estão próximos de saberem a verdade um do outro, borrando a realidade do que conhecem e do que assistimos. Ainda tenho dúvidas severas sobre a participação de Reghabi, que segue sendo uma conveniência ambulante, mas os efeitos da reintegração são interessantes demais para criticar a participação da personagem. Depois de quatro episódios cheios de novidades, o quinto capítulo da temporada reorganiza o tabuleiro narrativo complexo da produção e apresenta um gancho ensurdecedor que prepara um futuro promissor para a segunda metade da temporada.
Ruptura (Severance) – 2X05: Trojan’s Horse | EUA, 14 de fevereiro de 2025
Criação: Dan Erickson
Direção: Sam Donovan
Roteiro: Megan Ritchie
Elenco: Adam Scott, Zach Cherry, Britt Lower, Tramell Tillman, Dichen Lachman, John Turturro, Bob Balaban, Alia Shawkat, Stefano Carannante, Sarah Sherman, Christopher Walken, Patricia Arquette, Jen Tullock, Michael Chernus, Sarah Bock, Ólafur Darri Ólafsso
Duração: 51 min.
