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Crítica | Ruptura – 2X04: Woe’s Hollow

O Quarto Apêndice.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da segunda temporada e, aqui, da série.

Woe’s Hollow é uma bola curva gigantesca. Depois do desfecho de Who Is Alive? com a reintegração de Mark, o “normal” seria uma continuação de eventos para o procedimento do personagem. Mas Ruptura é tudo menos convencional, razão pela qual o episódio abre com Irving no meio de um deserto gelado. Não sabemos o que aconteceu com Mark – e sagazmente a série não mostra ele passando pela ruptura, o que pode sugerir que o Mark que vemos aqui seja a versão reintegrada -, não vemos o escritório, não vemos os externos, não sabemos onde os personagens estão e tampouco o porquê de estarem ali. Aos poucos descobrimos que a Lumon decidiu levar o MDR para uma região invernal selvagem, que faz parte da Floresta Nacional de Kier, numa espécie de viagem de campo dos infernos para que o grupo descubra o Quarto Apêndice, que de maneira geral é mais uma parte sinistra do culto à Kier, relatando como ele dominou um dos Quatro Temperamentos e revelando que o mesmo tinha um irmão gêmeo.

Essa revelação – que deve ser uma mentira – serve de metáfora para a dualidade dos personagens, algo reforçado no episódio pela presença de guias macabros que são cópias – muito provavelmente sósias – do grupo principal. De cara, é difícil entender a razão da empresa ter feito essa viagem, podendo ser uma tentativa de redoutrinação dos personagens ou até uma forma de tentar fazer com que os mesmos se aproximassem e confiassem mais na Helena, que descobrimos ser realmente uma infiltrada (mais disso à frente), uma vez que a mesma busca desafiar Millchik com piadas, fazendo com que Dylan e especialmente Mark caíam em sua conversa. Na cena em si, parece um simples desentendimento, mas ao final do episódio a sequência é ressignificada para um pequeno teatro da Lumon, o que nos faz questionar o motivo de todo esse investimento e ginástica no espaço aberto.

Fora das teorias, porém, o tom de mistério e a construção de atmosfera da produção segue fantástica. Se aproveitando do ambiente estranho e do princípio de desorientação que acompanha a trama, temos uma direção cuidadosa de Ben Stiller para manter a sensação de algo perturbador e sinistro à espreita, sempre bem assistido pela trilha sonora tétrica da produção. Em termos estéticos, é um episódio muito bonito em suas longas sequências do deserto gelado, que mantém a direção artística do branco imaculado do escritório e da sensação de vazio na contemplação assustadora do local. Vemos também a acidez do roteiro em prática, como na mentira de Milchik sobre a “maior cachoeira do mundo”, na sugestão de Irving em comer um animal morto ou no conto horripilante da punição do irmão de Kier sob a fogueira. Como sempre, a obra intriga na mesma medida que fascina.

Interessante como também existe muita coisa macabra e cruel no subtexto do episódio. Por exemplo, essa é a primeira vez que os internos veêm o céu azul; é a primeira vez que Mark S faz sexo; e, até onde me lembro, é a primeira vez que os personagens dormem e acordam. Acho interessante como o texto não precisa ser expositivo com essas primeiras experiências, deixando os acontecimentos falarem por si só, com destaque para o pesadelo vívido de Irving, que mistura elementos da história do Quarto Apêndice, da solidão e saudade do personagem de Burt, e das próprias dúvidas que o personagem tem sobre Helly, com seu subconsciente chegando a conclusão de que a personagem é uma Eagan e que a mesma é uma espiã dentro do grupo. A revelação é orgânica, até porque a audiência já suspeitava disso há um bom tempo – eu até pensei que a série iria na direção oposta -, mas o desenvolvimento da reviravolta para os personagens é completamente fantástica.

John Turturro rouba a cena nesse episódio, mostrando vulnerabilidade, sagacidade e principalmente coragem, no que é uma interpretação muito distante do que o personagem era na temporada de estreia, mostrando o seu belíssimo arco de evolução. O bloco em que Irving revela para todos que não era a Helly entre eles, bem como obriga Milchik ou, melhor, Seth, a trazê-la de volta, seguido de seu assassinato sombrio enquanto o mesmo está em paz, é um dos melhores e mais tristes momentos de toda a série. O discurso cruel de Milchik revela a fina linha da vida desses personagens e como é fácil serem simplesmente esquecidos. Por mais que Woe’s Hollow ofereça mais mistérios do que respostas, algo que o episódio faz muito bem é continuar a descascar a realidade obscura e fraca dos internos.

Outro ponto muito positivo desse quarto episódio é a enfatização dos roteiristas em mudar o status quo. Na semana passada tivemos a reintegração e agora temos a revelação da Helena, no que é uma narrativa que mantém a paciência em sua construção dos episódios, mas que continua acelerando organicamente os acontecimentos da história e fazendo desvios inesperados fascinantes. Não estamos nem na metade da temporada e já tivemos alguns ganchos que normalmente seriam requintados até um season finale. No fim, todos os elementos técnicos e narrativos desse episódio são trabalhados em uníssono para construir mais um capítulo misterioso e por muitos momentos assustador, que também é comovente no sacrifício de Irving para estragar os planos da Lumon, seja eles quais forem.

Ruptura (Severance) – 2X04: Woe’s Hollow | EUA, 07 de fevereiro de 2025
Criação: Dan Erickson
Direção: Ben Stiller
Roteiro: Anna Ouyang Moench
Elenco: Adam Scott, Zach Cherry, Britt Lower, Tramell Tillman, Dichen Lachman, John Turturro, Bob Balaban, Alia Shawkat, Stefano Carannante, Sarah Sherman, Christopher Walken, Patricia Arquette, Jen Tullock, Michael Chernus, Sarah Bock, Ólafur Darri Ólafsson, Gwendoline Christie
Duração: 51 min.

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