Uma imagem espelhada de Hello, Ms. Cobel, o segundo episódio dessa temporada explora o que aconteceu com os externos depois de The We We Are. Assim como na semana passada, o episódio lida diretamente apenas com um lado da equação, em uma narrativa cheia de contextualizações e mais perguntas para os próximos episódios. Apesar de ser uma sequência de eventos natural e até esperada, confesso que imaginei que ficaríamos mais alguns capítulos na dúvida do que efetivamente aconteceu do lado de fora da Lumon. Ledo engano. O roteiro de Mohamad El Masri revela tudo o que aconteceu depois da contingência, explorando como Mark, Helena e o restante da empresa lidaram com a escapada dos internos, confirmando a suspeita de que nenhuma reforma trabalhista aconteceu, tampouco que tivemos um salto temporal de cinco meses – a impressão é de que se passaram apenas poucos dias -, sendo que aprendemos um pouco mais dos objetivos da Lumon.
Grande parte de Goodbye, Mrs. Selvig é dedicada para o controle de danos da empresa. Mais uma vez, a produção é tecnicamente primorosa, com a correria da Lumon passando por uma construção meticulosa de cenas enervantes, inquietantes e muito enigmáticas. A fotografia escura e os planos disformes fora das paredes fazem o contraste e a separação do estilo mudo e quase sempre iluminado dos escritórios, dando esse aspecto mais sombrio, mais pesado e mais autêntico para o lado de fora da falsidade da Lumon, com grande parcela das cenas se passando à noite, acompanhadas de uma constante trilha sonora sinistra e uma direção cuidadosa de Sam Donovan para realçar o texto misterioso e envolvido de diálogos manipulativos nos diversos encontros da narrativa, como na sequência de Helena “promovendo” Cobel (Patricia Arquette). Dos shots externos do prédio até os enquadramentos “estranhos” da reunião, esse é um belo exemplar de como as encenações da série são bem pensadas, bem dirigidas, bem escritas e bem atuadas dentro dos seus deliciosos jogos psicológicos, com destaque até para a posição sempre esquisita de Drummond (Ólafur Darri Ólafsson) nas cenas ou nas diversas sugestões de seita à Kier.
Também é interessante como as cenas de Lumon tentando salvar seu projeto são mais tensas do que intensas, com uma sensação de falsa calmaria passando por cada artimanha da empresa, algo muito bem encapsulado pela atuação monstruosa de Tramell Tillman como Seth Milchick, que parece estar sempre a um passo de explodir atrás do seu sorriso falso, mas que mantém a compostura de fachada em suas manobras com seus funcionários. As cenas com Mark são o ponto alto do episódio, especialmente a forma como Milchick dobra o protagonista a voltar a trabalhar, sugerindo um “alívio” com a morte de sua esposa. Ademais, esses momentos de Milchick, Helena, Drummond e Cobel com o controle de danos revelam diversas informações importantes, principalmente o fato de que o projeto da Lumon tem Mark e Gemma como centro da experimentação. Podemos teorizar se isso tem relação com um processo de ressuscitação/imortalidade – apostaria até que com objetivo de trazer Kier de volta à vida – ou até de apagar memórias – os macrodados que Mark joga fora – para passar por processos de luto, mas é difícil definir o que é exatamente o chamado arquivo Cold Harbor. De qualquer forma, saber que Mark tem esse nível de importância e que o restante da equipe é relativamente descartável – apesar de serem imprescindíveis agora – é algo realmente curioso. Sempre pensei que o projeto tivesse algo relacionado com controle social ou algo do tipo, até para seguir em linha com os temas do texto satírico de Dan Erickson, mas aparentemente estamos indo mais para a vertente surrealista e fantasiosa da série.
Outro ponto notável do episódio é a maneira como dá espaço para os externos, e principalmente para o elenco brilhar com a dualidade de seus papéis. Normalmente, gosto mais da série com uma narrativa fragmentada focada nos internos, mas apresentar um pouco mais das versões “reais” desses personagens é um grande acerto e um passo a mais para desenvolver a dicotomia e as questões de identidade desses indivíduos, como até pontuei na crítica passada. Vemos um pouco do que “atraiu” esses personagens à Lumon – Mark (luto); Irving (solidão); Dylan (dinheiro) – e principalmente como reagiram à contingência. Irving mentiu sobre seu paradeiro naquela noite, com o adendo de uma participação misteriosa de Burt Goodman (Christopher Walken), enquanto a irmã de Mark está desconfiada sobre o encontro. Com Dylan as coisas são mais prosaicas, mas ainda importantes para o arco do personagem, e, por fim, o grande destaque desse bloco fica com a Helena se interessando – até meio assustada – pela forma como sua interna encontrou amor, sendo que a dúvida sobre quem está dentro do escritório ainda segue não resolvida. A abordagem de queima lenta da narrativa continua incrivelmente afiada, desenvolvendo o necessário e deixando no ar o suficiente para indagarmos e ansiarmos pelo restante da história.
Goodbye, Mrs. Selvig pode parecer um episódio morno, seja pela forma como tem um ritmo mais vagaroso – que sempre foi a abordagem da série, vale destacar -, seja pela maneira como o roteiro pode parecer um pouco circular, trazendo contextos para voltar ao mesmo ponto do episódio anterior, mas acredito que tenha sido um capítulo mais do que necessário, tanto para responder algumas coisas quanto para desenvolver esse outro lado da narrativa no mundo externo à Lumon. O desfecho com Mark descobrindo que realmente existe algo relacionado à sua esposa morta parece o pontapé de uma narrativa que deve seguir, agora, dando os mesmos holofotes para os externos, o que pode – e deve – moldar a narrativa de volta ao excelente thriller investigativo com doses de conspiração que tomou conta da reta final da temporada de estreia, provavelmente com camadas de surrealismo para tudo ficar ainda mais interessante. Superficialmente, esse segundo episódio soa como algo protocolar ou uma exigência por paciência da audiência, mas no fundo é mais um capítulo meticulosamente bem construído e bem produzido que, se tudo der certo, deve dar muitas recompensas lá na frente.
Ruptura (Severance) – 2X02: Goodbye, Mrs. Selvig | EUA, 24 de janeiro de 2024
Criação: Dan Erickson
Direção: Sam Donovan
Roteiro: Mohamad El Masri
Elenco: Adam Scott, Zach Cherry, Britt Lower, Tramell Tillman, Dichen Lachman, John Turturro, Bob Balaban, Alia Shawkat, Stefano Carannante, Sarah Sherman, Christopher Walken, Patricia Arquette, Jen Tullock, Michael Chernus, Sarah Bock, Ólafur Darri Ólafsson
Duração: 48 min.