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Crítica | Rua do Medo: 1666 – Parte 3

por Kevin Rick
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Leigh Janiak nos leva para o século XVII no desfecho de horror folclórico da Trilogia Rua do Medo. Mantendo o processo de narrativa não-linear da cinessérie, Rua do Medo: 1666 – Parte 3 explica as origens da divisão entre Shadyside e Sunnyvale, assim como a gênese da bruxa Sarah Fier e sua maldição. Confesso que estava entusiasmado para a versão mais histórica e supernatural da franquia, abordando com mais foco os pequenos toques de bruxaria e ocultismo das outras duas entradas que destacam o slasher em diferentes períodos, nos situando em uma ambientação de época. Contudo, o resultado me parece uma aventura de Marty McFly em 1666, no sentido da estética.

Tudo parece muito “limpo”, desde os figurinos, os cenários, até a iluminação. Não acho que a culpa seja necessariamente da direção de arte, mas da cinematografia clareada e a fraca direção de Janiak que não se aproveita dos espaços da vila ou da floresta para construir atmosfera. O fato da cineasta prezar por planos próximos do elenco anterior, reusado em diferentes papéis de época – interessante tematicamente, como vou falar -, piora a sensação de imersão temporal para o espectador. Os atores juvenis estão deslocados historicamente, seja por motivos étnicos, aparências modernas (penteados, feições) ou modo de conversar – as tentativas de sotaque são horrorosas.

De muitas formas, é um horror histórico com cara de juvenil contemporâneo. E eu entendo isso. Há uma relação de tributo e progressismo na trilogia, nesse paralelo de nostalgia com discurso moderno que Janiak gosta de fazer – a reutilização da trama de homofobia do primeiro filme reafirma o horror temático de preconceito com o diferente. Por isso acho que tematicamente é uma escolha interessante colocar os mesmos atores em 1666, pois cria desde o início uma relação sentimental com o espectador que conhece essas faces, e consequentemente sustenta o elemento (também temático) de perseguição à Shadyside com rostos de membros da cidade que sofreram/morreram da maldição, que na verdade se configurará como exploração.

Neste aspecto de exploração de classes e aversão ao diferente, o roteiro é inteligente em fazer ligações com o subgênero de horror supernatural histórico. Em filmes desse tipo – A Bruxa, para dar um exemplo recente – existe uma conexão do sobrenatural com males sociais, como ignorância e fanatismo religioso, e o disfarce do diabo em mazelas humanas e horrores culturais. Meu problema está em como 1666 expõe estes temas de maneira expositiva em detrimento da experiência visual. Tive a mesma reclamação em 1994, só que em relação ao teor introdutório e explicações de mitologia, que sacrificam a tensão audiovisual, e, apesar de retificar isso no ótimo filme de massacre em 1978, a diretora/roteirista retorna com os mesmos cacoetes de mastigação de conteúdo.

E aqui retorno às minhas reclamações de estética e construção da experiência em 1666, pois a diretora quebra o molde da trilogia em termos de ambientação singular em cada filme ao preferir abordar a mensagem temática do que o subgênero em evidência. Vemos isso na já dita reutilização do elenco e a falta de cuidado com o visual histórico, mas também na maneira que a diretora e a montagem carregam o ritmo do ato. Podemos ver o início de algum tipo de suspense quando o apodrecimento de alimentos e o estranho comportamento de animais são introduzidos – ótimos elementos de horror visual dos males sociais vinculados em aspectos sobrenaturais – e existe uma sequência na igreja que sedimenta a narrativa de horror cultural… mas Leigh Janiak começa a correr com o bloco histórico para voltar aos dias “atuais”; se perde a característica extensão do suspense visual, e a própria mitologia sobrenatural é explicada rapidamente, para que retornemos ao (péssimo) ato final em 1994.

Logo de cara temos uma montagem mostrando como Sunnyvale é perfeita e rica, enquanto Shadyside é excluída e pobre, deixando a ideia implícita no visual, mas os personagens precisam explicar por cima da montagem porque isso acontece. Tudo é mastigado, explícito para a audiência. O próprio plot-twist com o personagem de Goode (Ashley Zukerman) é um artifício pobre do roteiro que quer soar “espertinho” com a mensagem de exploração, e notem como a mudança do arco do personagem não é orgânica em relação a dramatização entre ele e Ziggy (Gillian Jacobs). Novamente, o filme preza por sua mensagem temática de horror social do que nos elementos da obra, seja a dramaturgia escanteada ou como toda a sequência no shopping retira a tensão dos assassinos – eles viram zumbis patetas – e do próprio “mal” da ótima mitologia também esquecida sendo resignado a um desfecho anticlimático.

É uma pena, viu? Leigh Janiak parecia tão autoconsciente da sua abordagem em 1978, colocando seu discurso temático de comentário e horror social/cultural em contornos sutis (a relação das irmãs, a rivalidade injusta na guerra de cores, a personalidade dos personagens das diferentes cidades, etc.), enquanto inseriu novidades da mitologia ao mesmo tempo que priorizou a experiência singular da obra com o sensorial e visual do massacre, nossa conexão com os assassinados e a estética/atmosfera do período. Já em Rua do Medo: 1666 – Parte 3, a cineasta fecha sua trilogia mastigando e reafirmando seus temas a todo momento, prezando explicar sua mensagem ou do que sua obra é “sobre”, do que juntar seu conteúdo com a forma, sacrificando a ambientação, o suspense, a mitologia e a dramaturgia.

Rua do Medo: 1666 – Parte 3 (Fear Street: Part 3 – 1666) | EUA, 16 de julho de 2021
Direção: Leigh Janiak
Roteiro: Leigh Janiak, Phil Graziadei, Kate Trefry
Elenco: Kiana Madeira, Ashley Zukerman, Gillian Jacobs, Olivia Scott Welch, Benjamin Flores Jr., Darrell Britt-Gibson, Sadie Sink, Emily Rudd, McCabe Slye, Julia Rehwald, Fred Hechinger, Jordana Spiro, Jordyn DiNatale
Duração: 114 min.

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