Rosa, rosae
y también el valor de pi,
y el recuerdo final
por los muertos
de la última guerra civil.
Así, así, así crecí..
Carlos Saura foi um dos diretores espanhóis que cresceram em meio a ditadura de Francisco Franco, o militar que assumiu o controle da Espanha após o desfecho da infame Guerra Civil Espanhola e manteve um Estado fortemente repressivo, violento e apoiado pela igreja católica. Ao longo de sua carreira, Saura trabalhou, em seus filmes, as feridas (físicas e psicológicas) deixadas pelo franquismo nos indivíduos e na sociedade como um todo. Aqui em Rosa Rosae – Uma Elegia da Guerra Civil Espanhola, um de seus últimos filmes (ele faleceu em fevereiro de 2023, aos 91 anos), o artista utilizou a canção-título, na voz de José Antonio Labordeta, para narrar um recorte do cotidiano da vida sob o governo do generalíssimo. E tudo isso pelo olhar de uma criança.
Imageticamente falando, a obra causa grande desconforto no espectador, o que é um resultado estético ideal para o forte tema que está sendo abordado. Saura recuperou fotografias e desenhos do período da guerra — e de alguns anos posteriores –, e fez alguns experimentos de interferência nessas imagens, dando ao filme uma aparência de animação grotesca, quase um vale da estranheza, mas com claros indícios de que muita coisa do material exibido é fotográfico, é real. O estilo das interferências e o tipo de exposição artística desse material se tornam cada vez mais fortes a cada novo verso da canção de Labordeta, e a maneira como o próprio Saura edita o material nos surpreende, alternando cenas escolares, militares, de coação, temor e terror.
Chegamos ao final de Rosa Rosae com o coração pesado. A criança que cresceu nessa sociedade hedionda olha para trás e tem medo de que tudo aquilo se repita. Em entrevista, no ano de lançamento do filme (2021), o próprio diretor comentou sobre esse medo, ao falar rapidamente da polarização política na Espanha. Ao mesmo tempo que conseguiu exorcizar os seus medos e anseios e, artisticamente, compartilhar os traumas que a vida sob o franquismo lhe deixou, o cineasta utilizou poesia, canção e imagens alteradas, sujas, marcadas pela guerra, para alertar o público sobre um perigo que continua nos rondando, sempre e sempre.
O clamor das massas por respostas fáceis para problemas complexos (grande constante dos tempos difíceis sob a égide de um horizonte fascista) e o estrago que se segue daí, não são mais estranhos para ninguém, em nossos dias. Os exemplos disso pululam em diversos lugares do mundo. Rosa Rosae – Uma Elegia da Guerra Civil Espanhola nos mostra até onde o grupo de poderosos desumanos podem chegar, destruindo vidas e sonhos, e alterando a jornada de gerações inteiras, adoecendo uma nação. Mais um capítulo que nos faz lamentar o fato de que as populações pouco ou nada aprenderam com as profundas e sanguinolentas feridas deixadas por sua História. E acabam fazendo a mesma coisa que levou ao estágio de horror no passado. Até quando?
Rosa Rosae – Uma Elegia da Guerra Civil Espanhola (Rosa Rosae – La Guerra Civil / A Spanish Civil War Elegy) — Espanha, 2021
Direção: Carlos Saura
Roteiro: Carlos Saura
Elenco: Eulàlia Ramon
Duração: 6 min.