A felicidade vem de pequenas demonstrações. Pode ser um colo carinhoso na hora certa, um abraço sincero, um singelo aperto de mãos, uma flor dada de surpresa, um olhar compreensivo, talvez a chance de ver o raiar do sol. A felicidade é tão fugaz quanto ver uma estrela cadente no céu, mas poderosa, marcante e capaz de mudar o mundo de pouquinho em pouquinho, mesmo que o que vejamos ao nosso redor seja preponderantemente negativo, pesado e triste. Rosa e Momo é um pouquinho dessa felicidade, aqui materializada por uma história simples, mas muito bem executada que traz de volta da aposentadoria de 10 anos ninguém menos do que a lendária atriz italiana Sophia Loren contracenando com o jovem estreante Ibrahima Gueye representando duas gerações muito distantes que, por 95 breves minutos, reúnem-se para trazer sorrisos e lágrimas aos rostos de seus espectadores.
Loren, aos 86 anos, empresta sua presença magnética a seu filho, Edoardo Ponti, o diretor, que a tirou também brevemente de seu distanciamento das câmeras em 2014, com o curta Voce Umana e transforma cada fotograma de Rosa e Momo em uma inestimável lembrança do porquê ela ter sido o símbolo que ela foi. Como Madame Rosa, uma sobrevivente do Holocausto e ex-prostituta vivendo em uma cidade litorânea da Itália cuidando de filhos de outras prostitutas, Sophia Loren ilumina cada momento que está em cena ao ponto de manter tudo igualmente claro quando ela também não está compondo determinada sequência. E o melhor é que o pequeno Gueye, com quem mais contracena no longa, faz bonito em seu primeiro papel e consegue até mesmo, em alguns momentos, ficar de igual para igual com a atriz italiana ao viver seu papel de Momo, garoto órfão senegalês que vive de furtos e que acaba se bandeando para o tráfico de drogas e morando com a distinta senhora.
O roteiro não tenta complicar o momento presente, o que muitos poderão interpretar, erroneamente, como preguiça de se tentar algo mais complexo. Na verdade, o texto co-escrito por Ugo Chiti, Fabio Natale e Ponti, com base em romance do francês Romain Gary que o escreveu sob o pseudônimo Emile Ajar em 1975, é enganosamente simples, pois cada personagem carrega um passado propositalmente pouco abordado, mas que automaticamente consegue emprestar estofo a cada um. Trata-se, na verdade, de um recorte em que “indesejáveis” são reunidos sob um mesmo teto. Rosa é a idosa esquecida pelo mundo que carrega o terrível fardo de ter sobrevivido ao mais terrível genocídio da história recente somado ao fato de ter sido prostituta. Momo é uma criança negra refugiada que foi expulsa da escola e que tem tudo para tornar-se um criminoso de carreira. Lola (Abril Zamora) é uma mulher trans distante da família com um filho pequeno que volta e meia é cuidado por Rosa. O microcosmo marginal que eles formam é rico de significado pelo que eles são e pelo que eles viveram, algo que, com exceção do Holocausto, que fala por si só, fica sempre nas entrelinhas, justificando a suposta “descomplicação” do presente em que vivem.
É por essa razão que os pequenos dramas dentro da narrativa acabam sendo resolvidos sem grandes conflitos, como, por exemplo, o envolvimento de Momo com as drogas. O objetivo do longa parece ser mais universal, mais amplo e de certa forma mais inocente e mais alegre mesmo que lágrimas certamente não sejam estranhas durante a projeção. Novamente, são os pequenos gestos de falam mais alto, como quando Momo, em sua inocência, tenta dar uma de cupido, unindo Rosa com Hamil (Babak Karimi), o simpático muçulmano dono de uma loja próxima que também coloca o garoto sob sua tutelagem. O que não é explicitado completamente funciona muito bem, como por exemplo a fuga de Rosa para o subsolo do prédio em que vive para sentir-se mais segura, replicando seu trauma de quando criança em Auschwitz ou a relação de Lola com seu pai que jamais aparece, mas está sempre presente em seus pensamentos.
Na medida em que a narrativa progride, narrativa essa que não tem intenção em surpreender ou fazer nada fora dos trilhos que cuidadosamente assenta desde os primeiros minutos, a vida de Rosa começa a degringolar, mas é justamente aí que os laços dela com Momo – e vice-versa – tornam-se mais fortes, criando uma relação que não é nunca de conflito de gerações, mas sim de complemento de gerações, se é que essa expressão sequer existe. Rosa vê em Momo o filho ou neto que nunca teve e Momo encontra em Rosa o mais próximo possível da imagem de sua mãe que ele guarda carinhosamente no coração. Sim, é simples desse jeito, mas nunca é piegas, nunca é melodramático e nunca é bobo. Ao contrário, são vidas simples que carregam fardos inenarráveis entrelaçando-se e tornando-se uma coisa só com um olhar esperançoso para o futuro.
Rosa e Momo é uma pequena e gostosa joia que traz Sophia Loren de volta ao Cinema e revela o jovem Ibrahima Gueye, duas características que já o tornam valioso. Some-se a isso seus comentários políticos, sociais e históricos trazidos de maneira não-intrusiva pelo roteiro, além de uma constante demonstração de que a felicidade existe nas atitudes mais prosaicas e pronto, esse pequeno filme italiano coloca-se como obrigatório, especialmente nos tempos em que estamos vivendo.
Rosa e Momo (La Vita Davanti a Sé – Itália, 13 de novembro de 2020)
Direção: Edoardo Ponti
Roteiro: Ugo Chiti, Fabio Natale, Edoardo Ponti (baseado em romance de Romain Gary)
Elenco: Sophia Loren, Ibrahima Gueye, Renato Carpentieri, Abril Zamora, Babak Karimi, Massimiliano Rossi
Duração: 95 min.