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Crítica | Rogue (2020)

por Leonardo Campos
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Há filmes do subgênero horror ecológico que nos introduz a seres humanos muito mais perigosos que os animais selvagens apresentados como grandiosos antagonistas. Se observarmos Anaconda, por exemplo, é óbvio que a serpente se torna uma ameaça para os documentaristas embrenhados na floresta amazônica, mas ainda assim, o vilão caricato da narrativa é um dos maiores problemas, responsável por fazer o grupo se encontrar com o “monstro”. No frenético Do Fundo do Mar, os tubarões são manipulados cientificamente, tendo em vista a extração de uma enzima que fará a diferença na indústria farmacêutica, além de ser bálsamo para alguns traumas que envolvem o passado da protagonista. Na maioria dos filmes com animais perigosos, a humanidade está sempre a testar, demasiadamente, os limites da natureza. Em Rogue, não temos exatamente uma produção do subgênero em questão, mas um híbrido que possui uma mensagem ecológica em seu desfecho, com personagens muito parecidos com os exemplares mencionados.

Dirigido pela cineasta M. J. Bassett, realizadora guiada pelo texto que escreveu em parceria com a sua filha, Isabel Bassett, o filme é um veículo para a atriz Megan Fox ir um pouco além do que, até então, a indústria cinematográfica lhe ofertara, geralmente personagens transformados em objetos sexuais para o olhar masculino, sem nenhuma profundidade psicológica ou maior ampliação de suas dimensões sociais. No papel da líder de uma missão que pretende resgatar a filha de um governador, sequestrada e levada para os confins da África do Sul, a moça precisa lidar com o machismo, com as dificuldades da missão, com os seus medos e ansiedades pessoais, além de ter que enfrentar civis em conflito, irritados com a presença de sua equipe no local. A cereja do bolo é uma leoa faminta e bastante irritada, disposta a devorar tudo que se movimenta, detectado por sua visão instintiva. Para chegar ao encontro com o felino, no entanto, precisamos fazer uma breve digressão, rumo aos primeiros momentos dos 105 minutos desta trama repleta de ação.

Fria, sem humor e severa demais consigo mesma e com os demais, Samantha O’Hara (Fox) ocupa a posição de líder da missão comentada antes. Ela chega ao território que pelas redondezas, possui uma fazenda que funciona como uma espécie de zoológico para tráfico de felinos, bem como reduto de diversão para os caçadores destes animais, sedentos pelas criaturas para atender aos seus anseios diletantes de estraçalhar vidas selvagens, sem qualquer preocupação com a extinção ou redução da população destes bichos, algo que pode trazer grandes danos biológicos no futuro. Mais adiante, o grupo vai se debater com o grande e caricato vilão da história, Zalaam (Adam Deacon), intermediador do tráfico de animais e pessoas. Samantha encontra as reféns, adentra numa longa zona de embate, algo que toma mais ou menos 30 minutos do filme. É tiro para não acabar mais, até que um dos seus comandados é ferido gravemente e o único jeito de escapar é pulando de um penhasco em direção ao rio do local.

Os combatentes locais conhecem mais do território e até então apresentam vantagem. Ao despencar com quem restou da equipe, Samantha segue por outro trajeto, chegando então ao local onde encontrarão, mais tarde, a tal leoa com os sentidos aguçados, irritadiça e sedenta pelo desejo de caçar. Ferida pelos caçadores da região, o animal também teve os seus filhotes sequestrados pelos contrabandistas, motivação maior para o seu comportamento agressivo e aniquilador. As cenas, devo dizer, são poucas, mais para o desfecho, mas ainda assim, Rogue é menos ruim do que imaginei que fosse. Antes de chegar na fazenda, a equipe até enfrenta um crocodilo numa travessia de águas bem escuras, ataque inesperado que ceifa a vida de mais um dos componentes do grupo. O CGI do réptil é econômico, mas suficiente, até mesmo para não tomar o espaço que aqui, pertence aos felinos. Hilton Treves, supervisor da equipe de efeitos visuais, entrega um trabalho mediano, sem soar falso como os costumeiros filmes desta temática que não possuem orçamento, mas também não gerencia nenhuma obra-prima. É tudo apenas “ok”.

Assim, a narrativa avança e quando os rebeldes chegam ao local para cobrar as vítimas sequestradas que foram libertadas contra a vontade dos criminosos, o circo literalmente pega fogo. É destruição para todos os lados, com facadas, tiros, bombas, mortos, sobreviventes, diálogos de efeitos e final otimista, com crédito de encerramento tomado pela mensagem de conscientização da diretora. No desdobramento da ação em Rogue, o animal selvagem em questão cumpre o seu papel de defender a prole e agir conforme os seus instintos naturais, entregando ao público consumidor do horror ecológico, uma espécie de mea culpa convincente. A leoa mata e nos entretém, mas há uma justificativa plena para as ações do animal que aqui não é antropomorfizado, tampouco maligno. Na verdade, a criatura é uma espécie de eliminadora do que há de ruim na história, isto é, os criminosos arquetípicos, em contraste com os soldados que adentram o território até então desconhecido para uma missão cheia de coragem e muita aventura.

Como filme de ação, para aqueles que gostam muito de coreografias, tiroteios e mensagens compactadas para delinear quem é o bem e quem é o mal da trama, Rogue funciona bem. Não há personagens verborrágicos, a ação é constante e o desenvolvimento poderia ser uns dez ou quinze minutos menos longos do que se apresenta, mas ainda assim, a história possui um tempo de ação e desenvolvimento suportável. Vai ao limite e sabe o momento certo de acabar. Brendan Barnes, na direção de fotografia, entrega um trabalho eficiente, calculado para a entrada dos efeitos visuais e conectado com as necessidades da narrativa ampliar e fechar mais os seus planos, para reforçar as tensões originadas pelos conflitos da história. O design de som de Andy Coles também dá conta de ambos os eixos da trama, isto é, a parte bélica, cheia de explosões, e a presença de leoa, ameaçadora em algumas passagens. A trilha sonora de Jack Halama e Scott Shields complementa, mas não entrega nada memorável, sendo também “ok”, tal como os efeitos visuais.

Ademais, o preconceito é um dos principais problemas que precisamos driblar para tornar Rogue um momento minimamente diletante em nossas vidas. O roteiro não é nem de longe um primor, os diálogos são burocráticos, retilíneos, sem muita emoção, talvez pelo receio da dupla que o assina, preocupada com a capacidade do elenco em dar conta de possíveis complexidades dramáticas que poderiam passar sem a devida percepção no desenvolvimento do material. Nossa sociedade misógina provavelmente já olha para o filme como um lixo narrativo desconcertante, protagonizado por uma atriz que é apenas uma ninfeta dos filmes de Michael Bay, mas acho que já podemos dar a chance que Megan Fox merece para tentar outras coisas em sua carreira ainda jovem. Claro que ela ainda precisa amadurecer mais dramaticamente, enfrentar novos desafios, ir além do que já experimentou até o momento, mas durante o desenvolvimento de Rogue, ela cumpre o sua tarefa sem passar vexame. Como dito, não é um grande papel, mas já é uma proposta diferenciada.

Rogue  (Idem – África do Sul, Reino Unido, 2020)
Direção: M. J. Bassett
Roteiro: Isabel Bassett, M. J. Bassett
Elenco: Megan Fox, Jessica Sutton, Calli Taylor, Philip Winchester, Lee-Anne Liebenberg, Brandon Auret, Adam Deacon, Tamer Burjaq, Grege Kriek
Duração: 107 min.

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