Obs: Leiam as demais críticas dos filmes da franquia Rocky, aqui.
Ano passado eu tive uma oportunidade fantástica, uma experiência que marcou esse dia na minha vida: vi Rocky pela primeira vez nos cinemas. Depois de quase oito anos sem rever o primeiro longa que lançou a saga de sucesso, eu mal lembrava um terço do filme. Somente as brilhantes montagens de treinamento permaneceram na minha memória. Foi muito interessante notar como a mente envelhece. Fica mais sábia, tange outros sentidos e significados. Aliás, hoje, numa coincidência muito bizarra, marca exatamente o aniversário de 39 anos que o filme estrou no Brasil: 07/01/1977.
Quando tinha 13 anos, descobri os filmes Rocky por conta de alguns amigos que ficavam discutindo qual a melhor cena de porrada, a melhor sequência de treinamento, o filme favorito e sobre o joguinho vagabundo de PS2 que rendera horas de diversão para todos nós.
Realmente, naquela época, só me importava o quebra-pau e as cenas de treinamento. Não conseguiu enxergar como Rocky era muito mais além daquilo. Hoje, depois de anos escrevendo e estudando sobre cinema, história e política, Rocky virou outro filme para mim. Um filme absolutamente incrível.
O resultado da crise financeira dos anos 1970 também atingiu fortemente as produções dos filmes da nova guarda hollywoodiana que revolucionaram, mais uma vez, a incrível História do Cinema. Porém, esse prisma era ainda mais grave para a produção independente que acreditava neste filme de boxe.
Para quem não conhece a história – algo que julgo impossível, Rocky Balboa é um lutador profissional classe “z” que ganha a vida transitando entre porradas no rigue e durante as extorsões que ele faz para mafiosos da Filadélfia. Porém, sua vida muda completamente ao receber um convite inesperado para lutar contra o campeão da liga mundial, a lenda vida, Apollo Creed. O homem de gostos simples, fala arrastada, traquejo social enrustido, aceita o convite que mudará sua sofrida história.
Nota-se claramente como o filme precisava de recursos que não estavam disponíveis na época. Tomadas longas e descritivas para preencher tempo de ação é que não faltam na obra, mas faltavam equipamentos de luz, películas mais caras, um foquista mais apto, mais recursos de direção artística, figurantes, entre tantas outras coisas.
Porém nada disso o afeta de verdade. Aliás, essas peculiaridades conferem seu status único. Temos aqui um genuíno underdog dos anos 1970 – curiosamente, assim como seu protagonista. É um filme que auxilia muito para entendermos como o famigerado valor de produção é importante.
Tudo é evidente pelo estilo nada refinado do longa. Mas o que faz o roteiro de Rocky ser tão genial é apresentação de diversas ideias corajosas para a época: a solidão, o desemprego, a propensão para o crime, as más companhias, ambição e frustração, repressão sexual, o machismo e a violência contra a mulher. Está tudo lá! Tudo que eu não enxerguei por anos. Já na técnica do longa temos os subúrbios mal iluminados da Filadélfia, a iluminação rude e grosseira, além das cômicas inserções de outros filmes para simular o público da luta final.
O embate do século foi gravado quase às moscas! Uma ironia histórica.
Mais incrível ainda é notar que Sylvester Stallone estava no momento de sua vida e atuando bem. Junto com Talia Shire, uma moça de traços únicos com sua beleza escondida e reprimida propositalmente pelas propostas do design de produção muito consciente de suas limitações.
Porém, o grande trunfo do filme, na minha opinião, é colocar Carl Weathers vestido de Tio Sam e com a bandeira dos EUA quando o fim da segregação racial tinha acontecido há menos de 12 anos. E também sendo ele a oferecer o sonho americano para um lutador branco de subúrbio – e também criminoso. Uma audácia fantástica nessa excelente subversão do clichê.
Uma jogada muito audaciosa para aquela época que merece respeito até hoje. Por essas e tantas razões, Rocky é um filme incrível, com atuações excelentes, trilha sonora memorável, montagem inesquecível e direção justa.
Tão impressionante, foi perceber pela primeira vez o motivo de Balboa nunca ganhar a primeira luta. Não era para vencer que ele estava lutando. Era para provar a todos de sua resistência, a força de seu espírito, sua autoconfiança e o amor por sua mulher.
É mais uma metáfora da vida. Essa que nunca achamos significado concreto. Que apanhamos fisicamente, intelectualmente e moralmente por diversos motivos mesmo se estivermos no nosso pior momento. Dura, perigosa, frenética e incansável. Cansamos de provar todos os dias que não cairemos. Que não perderemos a dignidade e muito menos a humildade.
Que até mesmo nas piores pocilgas, nos lugares mais hostis, frios e abandonados por todos, pode surgir, independentemente, uma força que move montanhas e que clama por sucesso. Assim como fez Rocky Balboa.
Rocky: Um Lutador (Rocky, EUA, 1976)
Direção: John G. Avildsen
Roteiro: Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Thayer David, Joe Spinell
Duração: 119 minutos.